28 de setembro de 2010

Sociopatismo


O suicídio é uma saída. Narcolepsia social também. Essa chuva batendo no telhado de casa. Esse brilho que a água faz quando cai na minha mochila. Essa preguiça de sair de casa. Esse medo de sair de casa. Esse medo de se machucar. Esse medo de cair no chão assim que pisar o pé direito na calçada. Esse medo de sair de casa.

Vontade de cometer um crime hediondo. Vontade de assistir a Vincent. Vontade de ler Poe. Vontade de explodir meus miolos na praça mais frequentada da cidade.

E essas palavras que não saem. Esses pensamentos não concretos que só vivem no plano das ideias. Essas ideias que viram ideais. Essas fantasias postas na realidade. E na fantasia eu sou feliz. E na fantasia eu também posso ser triste. Mas não sou o meio-termo, sou muito triste ou sou muito feliz. Ultimamente ser muito triste tem-me atraído mais.

Música calma. Voz aguda rouca. Voz que dá sono. Chuva que dá sono. Narcolepsia social me vem à mente e não sai. Idealizações minhas que só minhas são. Idealizações minhas.

Colo.

Pedido desesperado. Férias. Dezembro gelado. Chuva para lavar a calçada. Alagamento.

Quando a chuva começa a alagar, bem antes de ser prejudicial às pessoas, eu quero ver o caminho que ela percorre. Quero ver as imperfeições das construções pouco niveladas dos homens. Gosto de ouvir o barulho da chuva correndo pelas calçadas caladas. Gosto de ficar calado de vez em quando. Gosto de mostrar-me feliz quando estou triste. Gosto de gritar e só gargalhar. Mas hoje não. Nem ontem. Nem amanhã.

Hoje é narcolepsia social, porque Narciso não me deixa trilhar a opção de um suicídio. Mas quem sabe um assassinato. E será que eu estou mais para o neurótico ou para o psicótico?

Sociopatismo.

Leandro Augusto.

19 de setembro de 2010

Vide


Lá estava ela. Deitada. Linda. Belíssima. Estava ouvindo música e eu imaginava que música estaria a ouvir. Sei lá, não importa. Ou importa tanto que eu talvez queira saber que música é.

- O que você ouve?

- Ouço o que me agrada.

- Você é muito bonita. Não pude deixar de te notar no dia em que te vi pela primeira vez.

- Obrigada. Você também é linda. Seus seios devem ser lindos fora do sutiã.

- Quer ver?

- Sim.

Depois de imaginar um diálogo, voltei a pensar o que ela estaria ouvindo. O que ela estaria pensando. Em quem ela estaria pensando. E aquelas pernas grossas de quem mata qualquer um na hora do sexo. E aqueles seios voluptuosos que pareciam ser mais macios que qualquer um que meus lábios já provaram. Os lábios eram carnudos, mas pareciam ser um pouco flácidos. Lábios flácidos, isso é engraçado. Cabelos jogados no chão onde estava deitada. Madeixas loiras. Não gosto de loiras, mas aquela loira alta me chama atenção desde que a vi.

Ela se sentou. Seus olhos se voltaram para mim no mesmo instante. Uma distância de alguns poucos metros nos distanciavam. Eu tomava café. Ela tirava os fones de ouvido enquanto eu dava um gole no café fraco que eu comprei há poucos minutos, mas já estava frio. Nós nos olhávamos sem parar. Nós estávamos sozinhas e o barulho dos gritos das pessoas felizes não nos atrapalhava nem um pouco.

Permaneceu sentada e observando que não havia ninguém do meu lado, como costumava acontecer sempre que nos encontrávamos. Ela estava desacompanhada também. Era o momento preciso para conversarmos. Vou me levantar e ir a sua direção.

Levantei-me. Joguei fora o copo descartável sujo de resto de café açucarado. Voltei-me a ela e não encontrei coragem para seguir em frente. Voltei ao lugar onde me encontrava. Ainda estava quentinho. Ela olhava. Eu olhava para o chão, envergonhada.

Quem se levantou agora foi ela. Veio em minha direção e perguntou que horas eram. Disse que era hora de nós conversarmos. Tudo bem, disse ela. Conversamos a tarde toda e, no fim, demos um caloroso beijo.

Bem, ela, na verdade, levantou-se e foi em direção ao bebedouro encher a garrafinha de água que tinha em sua mochila. O bebedouro a tomou um tempo razoável para se decidir vir conversar comigo ou não. Vou conversar com ela, pensou.

Veio em minha direção, eu olhava o chão. Ela é ainda mais bonita envergonhada, pensou. Enquanto chegava perto, transpirava. O coração batia forte. A curiosidade para saber o tom de minha voz tomou conta dela. Estava decidida.

Eu a olhei e arregalei os olhos. Ela sorriu. Olhou para o chão para ver se não iria cair, porque sempre achou que cair num primeiro encontro não era a coisa certa para se fazer. Reparou meu sorriso em recompensa ao dela. Meus dentes brancos e perfeitos. Viu meus olhos pequenos pelos óculos fundo de garrafa. Meus cabelos nos ombros que me faziam parecer mais lésbica que qualquer outra. Olhou para meus seios e reparou que meus mamilos estavam arrebitados. Ela está excitada comigo, pensou.

Quando chegou a pouco mais de dois metros perto de mim, eu disse oi. Ela se virou, arrependida e envergonhada. Sorriu, dizendo tudo bem depois. Foi em direção à sala de estudos. Não vou conseguir estudar, pensou.

Eu fiquei desapontada com a situação. Mas sorria sem poder me conter pela felicidade de ter trocado uma palavra com ela. Amanhã eu a chamo para conversar depois do bandejão, pensei eu. Amanhã a chamo para conversar no intervalo, pensou ela.

Leandro Augusto.

Reiterado


Andei lendo os dois últimos textos que escrevi e gostei mais do que quando os escrevi. Foram eles grandes vômitos do que eu não estava sentindo, mas do que eu queria que pensassem que estava acontecendo dentro de mim. Bem, hoje eles fizeram mais sentido que quando os escrevi – ou vomitei.

Um deles fala sobre um término de relacionamento repentino, o outro é pequeno e simplesmente fala de estereótipos colocados por razões não-verbais, mas visuais óbvias. Ora, que mais eu estava sentindo senão isso. As coisas aconteceram e esses textos, na verdade, falavam o que eu sentia. Por mais que doa.

As coisas estão todas se reiterando de forma tão clara para mim que chega a doer. Mas dói no primeiro segundo de pensamento; no segundo elas vêm de forma natural. Natural mesmo. E esse período de mudanças tem se revelado bem mais fácil que nunca se revelaria. Isso é bem esquisito, só não sei se mais para o lado positivo ou para o negativo da palavra.

Pele, sexo, respiração, dor, prazer, arrepio interior, vontade, querer, desejo, repelente, suavidade, voz, chocolate, presente, filme, não assistir, pipoca, refrigerante, cerveja boa, cerveja não tão boa, cigarro, trago, respiração, dor, prazer, arrependimento, pudor, nem um pingo de pudor, pele. Tudo volta como se fosse normal. Tudo volta como as estações do ano voltam e nós sabemos que voltam. Mas essa metáfora eu já usei em outro texto.

Sinto falta de escrever assim. Mas acho que já me cansei de escrever assim. Vou correndo escrever meu próximo conto.

João Hernesto.

5 de setembro de 2010

Eu-lírico: eu mesmo

O cigarro está acabando. Melhor eu descer para comprar mais. Mas, antes, preciso falar com você sobre nós dois. Pra falar a verdade, nem sei como começar. Gosto de grandes discursos, com introdução, desenvolvimento de ideia, argumentação e conclusão, mas acho que vou começar da conclusão. Não quero mais esse casamento. Ele me faz mal. A cidade me faz mal por causa desse casamento. Eu já perdi um irmão aqui por simples injustiça dos limitantes, e eu nem me lembro mais dessa história porque perdi o texto que escrevi sobre isso. Mas eu não acho que não goste mais de São Paulo por causa disso. Não gosto de São Paulo porque passo por todos os lugares em que fomos felizes juntos e me lembro que não te amo mais. E não te amar mais me faz mal. Não sou insensível, mas não quero mais ser tão sensível. Preciso pensar em mim mesmo, preciso de um egocentrismo que só eu posso conceder a mim mesmo. E eu realmente não sei por que não te amo mais, só deixei de te amar, porque não quero mais levar essa vida que tenho levado. Já não me dá mais prazer ensinar o português para crianças retardadas, não aguento mais preencher diários de sala, fazer reunião de pais, não gosto mais de linguística. Achava que fosse uma grande crise se passando dentro de mim, mas isso vem me matando nos últimos 3 anos. E você? Bem, você já não me excita mais e eu já não aguento mais te ouvir gemer e fingir um orgasmo porque você não faz isso bem. Não quero mais te ver reclamando que tem que lavar, passar, enxugar, cozinhar e tantas coisas mais. Não quero mais ter que chegar em casa e me deparar com um lugar irritantemente limpo e uma esposa morta no sofá da sala assistindo à novela. Não quero mais isso para mim. Acabo de pedir demissão e deixar a escola pelos ares por não ter ninguém para me substituir. Não vou receber o salário desse mês, porque estou de saída, aliás, estou de mudança permanente. Vou para as Minas Gerais encontrar paz, se é que elas me vão oferecer isso. Você pode ir buscar o dinheiro amanhã na escola, com a Vânia. Diz para ela que não tem notícia de mim. Vou descer e comprar um cigarro, não volto mais. Não preciso de roupas limpas, obrigado. Comprarei qualquer coisa que me sirva. Adeus.

Não comprei cigarro algum, porque, naquele dia, eu parei de fumar.

João Hernesto.

O menino de volume avantajado nas calças e a menina com o cigarro nas mãos

E ela olhou para o menino de volume avantajado nas calças e pensou “poxa vida, mas que volume avantajado em suas calças”. E ele olhou para a menina com um cigarro nas mãos e pensou “seus pais nem devem desconfiar que ela fuma sem ao menos tragar”.

João Hernesto