13 de março de 2009

A doença e a consonância

Eu abri a porta e lá estava ele; um pouco mais anêmico do que o normal. Olheiras e indisposição aparentes.
- Estou doente.
Febre e dor de garganta eram as reclamações. Na verdade tinha mais uma: a aliteração. Quando ele descobriu o que era uma aliteração, na escola, disse que achou o máximo. Que era o máximo da poética. Ser poeta era uma de suas vontades. Como para ser poeta é preciso fazer uma aliteração, – como ele dizia – ele não se considerava um deles.
A questão da aliteração não tem muito a ver com o fato de não conseguir fazê-la. Tinha a ver com o fato de se desmerecer. Isso, nesse ponto, ele sabia muito bem como fazer.
Dessa vez a aliteração que ele queria fazer era a do tipo consonância. Ele citou Chico e disse que ele era um gênio por fazer uma dessas. De fato, é; acontece, eu disse, que você tem outros pontos de poesia em suas composições que dispensam essa tola determinação.
Ele voltou para casa com a determinação – porém não tanta inspiração – e com a doença. Deitou na cama, que não era sua, e gemeu de tanta febre que sentia. Gemeu de tanta vontade que tinha de produzir a tal da consonância. Gemeu e viu sua temperatura externa aumentar. Viu aumentar e dormiu. Sonhou com consonância.
Acordou transpirando feito um maratonista e viu os colegas bebendo uma bebida feita a partir da cevada; ela estava bem gelada – isso era um ponto crucial para que ele não tomasse junto com todos. Cerveja; ela o deixou daquele jeito no dia passado. A cerveja e a cevada. A cevada e o antissocialismo. O antissocialismo e a consonância (ou a falta dela).
Não bebeu um tiquinho sequer; por dera, sentia-se tão mal que vomitara tudo o que havia comido no dia. Sentou-se para ver a febre aumentar e para inventar uma consonância, mas tudo o que conseguia era doença. Ele queria beber, mas tudo o que tinha era doença. Ele queria disposição, mas tudo o que poderia ter era doença. Queria sociabilidade com os moradores novos de sua casa, mas a doença não o deixava. E a consonância se perdeu nessa história, por causa da doença.
- O rato roeu a roupa do rei de Roma – ele me ligou e disse isso depois de ouvir Alô.
- Essa não vale. Já existe. Já fora inventada. Você pode fazer uma, eu sei.
Ele desligou e voltou para a doença. E a doença voltou para a cama.
A noite, ele tentou fazer uma consonância antes de dormir (mais do que já havia), mas tudo o que lhe vinha à cabeça era “O rato roeu a roupa do rei de Roma”. Isso e a doença. Tudo o que ele tinha era a doença.
E, então, ele voltou para a doença e dormiu doente e doentemente.

João Herneto