29 de agosto de 2010

Café açucarado com açúcar amargo


Uma coisa que me deixa muito feliz é café. Café forte, não café de roça. Café fraquinho, dizem eles. Ora, café é amargo mesmo, deixemo-lo ser. Mas o açúcar eu não consigo dispensar. De amargo já basta a vida, dizem eles. Minha vida é amarga e faço questão que o café também o seja. Mas açúcar, por favor.

Outro dia ela me chegou e disse que meu café era muito amargo, que ela não gostava dele assim. Não tome, respondi. Simples assim. E não me palpite o café. Depois disso, beijou-me com gosto de café forte. Sexo com gosto de café, e posso dizer que o café me satisfez mais. Não que não goste de sexo, mas café é mais amargo, e, meu amigo, de coisas melosas já me basta o amor.

Você não consegue me amar, disse ela. Não, respondi. Enquanto tiver meu café não precisarei de você. Por hoje você está liberada. Ela chorou uma lágrima silenciosa do lado direito. E sorri - achei graça, sei lá. Foi-se sem gosto de café na boca. Eu fiquei, com gosto de café adoçado na boca. Gargalhei de modo que ela me sorriu lá fora, fechando o portão.

Um dia eu tomei tanto café que meu mijo ficou com cheiro de café. Aí eu tomei meu próprio mijo. Mentira. Gargalhei agora imaginando a expressão chocada de meu leitor. Deixo essa parte nojenta para o João Hernesto.

Uma semana eu comecei a acostumar meu paladar para tomar café só sem açúcar. Não durei mais do que na quarta-feira. Gosto de amargo, mas de amargo já basta a vida.

Tive uma namorada por um dia. Terminei na hora em que descobri que ela tomava café sem açúcar; não pude suportar o fato de que ela era mais corajosa e apreciadora de bom café que eu. Uma outra com quem nem cheguei a dar uma lambidinha tomava café com adoçante. É para emagrecer, dizia. Pois emagreça longe de mim, sua piranha fútil, respondi. Ela se foi dizendo palavras de baixíssimo calão, como desgraçado, filho de uma égua, vai se foder, viadinho da porra. Gargalhei para ela ouvir do portão.

Hoje de manhã fui surpreendido com um café da manhã na cama. Não havia café, havia chá. Ela dizia que estávamos na Inglaterra, deveríamos tomar mais chá. Virei a bandeja em cima dela. Chá é para maricas londrinos, não sou marica nem londrino. Sou é macho. Mas, um momento, eu sou de Londres!

É por isso que gosto de Paris.

Leandro Augusto.

24 de agosto de 2010

Podridão (não) assistida


E de alguma forma aquilo me lembrava aquele tempo de tristeza. Aquele tempo de podridão. O cachorro se contorcia no chão, deixando, dessa forma, comprometidos seus ossos sobressaindo à pele. Mijo, bosta, baba, vômito e muita vontade de interromper de uma só vez aquele sofrimento.

Ele estava morrendo enquanto uma plateia o observava como que fugindo do dia-dia, da rotina e dos compromissos. Não é todo dia que passo no centro da cidade pela manhã e encontro um cachorro a morrer, diziam. O cachorro se contorcia. A plateia observava atenta.

Sangue vermelho. Muito sangue. Sua boca já não mais mostrava os dentes quase brancos de nada comer. O sangue tapava qualquer branquidão que pudesse ser aparente. Os corajosos ficaram.

O cheiro ruim subia mais tarde do que esperavam. Eu observava atento. Sentia nojo daquele cachorro. Não tinha vontade alguma de ajudar, chamando algum especialista. Queria vê-lo morto com a língua para fora. Infelizmente demorava mais do que eu pensava que fosse demorar.

Alguns começavam a ir, não só pela demora, mas pelo grande tempo que aquele cachorro os tomara e ainda poderia tomar naquele dia. As desculpas aos chefes começavam a ser planejadas.

Ele morreu, alguém disse. A multidão aumentou desproporcionalmente. O cachorro estava de língua de fora, como muitos presumiam. Um grande silêncio se instaurou por um longo minuto. Pobrezinho, uma dona de casa deve ter falado. Eu não mexia um músculo.

Quando todos já tinham ido embora, somente eu continuava lá, pois havia me esquecido de qualquer compromisso ou horário. Não havia nada a ser feito o dia todo, eu poderia fitar o cachorro quanto quisesse. Pessoas passavam rapidamente à minha volta. Alguns olhavam, outros conversavam ao telefone. Alguns falavam baixinho, alguns berravam exigindo relatórios.

O mau cheiro só aumentava. Ninguém me parou para perguntar nada o dia todo. Eu não chorava. Eu só fitava. Quando o mesmo povo voltava do trabalho para casa, eu continuava ao lado do cachorro, fiel como só.

Agora já era tarde e a rua estava bem vazia. Tudo bem, pode se levantar, eu disse para o cachorro. Bom show, completei. Mas o cachorro não se levantou. O cheiro se tornava insuportável à medida que minha paciência ia se esgotando.

Cansei de esperar. Fui embora logo depois, pois aquela cena era bastante perturbadora.

Pouco tempo depois, o cachorro se levantou, limpou as excreções liberadas durante o show e foi para debaixo da ponte. Preciso de um filé, pensou.

João Hernesto.

20 de agosto de 2010

Evil I

Há coisas que não precisam ser ditas. Há coisas que são ditas no silêncio. Não digo de frases ditas no silêncio de um olhar, isso me soa deveras piegas. Digo de coisas que são ditas nas entrelinhas, daquelas coisas que são óbvias demais para serem ditas. Acho que a gente acabou por aprender a ser claro demais, deixamos de ser interessantes. Sim, porque o que é interessante é aquilo que nunca mostra tudo, é aquilo que sempre vai deixar um mínimo de curiosidade. Mas aí já acho que fugi do assunto.

E por algum motivo que não sei dizer, uma frase me vem a mente: “Matei um velho”. Edgar Alan Poe disse isso, mas não disse exatamente isso. O fato é, o moço matou o velho do Evil Eye (ou seria Evil “I”?) só por causa dos olhos. Ele não aguentava viver com aqueles olhos malignos – como aparece na tradução para o português. Então, matou o velho, que não tinha nada a ver com a história.

Eu já cometi um assassinato uma vez. Foi bem legal. Uma experiência que eu tenho vontade de repetir. Mas isso não vem ao caso.

O que eu realmente tenho vontade de fazer é explodir um prédio inteiro com pessoas dentro. Só que eu queria que essas pessoas tivessem a ver com a história só para provar para os alheios o meu ódio por elas. Só para provar o gosto de matar um inimigo oculto. Eu daria um jeito de organizar todos eles numa grande festa, uma festa à fantasia – porque é a minha predileta. Daí eles entrariam num grande salão que traria uma bomba escondida. Beberiam muito, comeriam muito. Seria uma orgia: nos banheiros, um homem e uma mulher para chupar os convidados. E esses chupadores seriam escolhidos a dedo. Teria a melhor música tocando. Quando todos estivessem bêbados e cansados de gozar, a bomba explodiria seus miolos ébrios. Que divertido!

Mas aí eu já mudei de assunto.

Como eu dizia, o silêncio é a melhor saída, sem dúvida nenhuma. Agora vocês provavelmente pensem que sou um louco sociopata que fica na espreita a montar um plano maléfico. Além do mais, não é preciso dizer isso pois é o que acontece, de fato. Que ótimo, agora ninguém mais vai querer participar da festa de encerramento.

João Hernesto