13 de dezembro de 2010

Freud explica

Metas, metas, metas. Planejamento para o ano que está chegando. Ora, que baboseira é essa de ano novo? Quem é que inventou tudo isso? Quem é que acredita em tudo isso? Porque eu não posso planejar minha vida sem pensar nesse tempo imperfeito feito por homens imperfeitos e feitos de mar?

Bem, eu não sei vocês, mas EU estou fazendo meu planejamento e meu balanço anual. Isso porque o homem precisa de algum motivo para ter esperança. Ela sempre existiu e nós sempre seremos suas vítimas. Não vou sair falando que não é necessário ter metas de fim de ano – ou serão elas de começo de ano? – porque eu mesmo as faço. E por escrito, ainda por cima!

Nós estamos condenados a imaginar o emprego perfeito, o sorteio da Tele Sena, a promoção daquela loja, o passar de ano, a outra metade da laranja, e o que mais for preciso. Nós nunca seremos totalmente realizados e é de nosso feitio sempre querer mais e sempre batalhar por isso; e quem é que nega que isso é certo? Quem é que não anseia novos planos e novas conquistas? Bem, quem não o faz, pode-se dizer triste.

Porque planejar um dia que vem já é gostoso. Deitar a cabeça no travesseiro e se sentir aliviado por um dia com tarefas que passou e planejar, como que logo em seguida e automaticamente, o dia que está por vir. Porque é nossa segurança acordar e saber o que há para fazer.

Hoje eu acordei de férias. E aí eu pensei: que tem para fazer? Foi aí que eu entrei em pane, porque descobri que meu dia estava altamente vazio e sem grandes compromissos. O que foi que eu fiz? Planejei e busquei o que fazer, pois, mesmo de férias, nossa cabeça está a mil pensando no que vamos almoçar, para quem vamos ligar, o que vamos beber e todas essas coisas triviais que nos fazem bem.

Atire a primeira pedra quem não planeja uma hora sequer do dia. Quem dirá um ano inteiro. Porque esse calendário relativo é o que nos move todos os seus 365 dias e algumas horinhas a mais. É ele que nos faz abrir os e-mails e sentir contente de ter recebido uma mensagem marcando algo para o futuro.

E os historiadores que me perdoem, mas eu acho que o ser humano – no auge de sua insegurança – é o que é graças ao seu futuro e seus planos para o mesmo, não por seu passado. Porque é como o vizinho velho fala: o passado já passou. E eu quero mais é saber de pegar um papel e fazer a listinha de presentes-metas que vou pedir para o Papai Noel.

João Hernesto

9 de dezembro de 2010

Trânsito astrológico

Já me deixei cair em tentação e não me culpo. Ontem eu senti aquele gosto de café açucarado com gosto amargo insuportável no fundo. E, por alguma razão ilógica, aquilo me doeu por dentro. Você foi e sempre será esse gosto amargo depois do doce. Você sempre será esse sabor doce e inconfundível nos meus lábios. Sabor, esse, que me faz sempre sentir falta e que me faz saber que nunca encontrarei igual.

Mariazinha andava feliz em sua calçada. A calçada não era propriamente dela, mas as pessoas costumam colocar os fatos possessivos assim em sua língua. Bem, a vizinha estava a molhar as plantas. Mariazinha se molhou ao passar na frente da casa da moça e ficou feliz por causa disso. Sentiu um imenso prazer e viu que nunca o havia sentido antes, com nenhuma água, de nenhuma praia, cachoeira ou chuveiro. Depois começou a esfriar e Mariazinha se perdeu na rua em que morava – vê se pode. Mariazinha pegou uma gripe muito forte e não conseguiu mais voltar. Morreu na rua, sozinha.

João uma vez disse para sua namorada que a amava, mas ela não acreditava nele. Então ele comprou um lindo buquê com o dinheiro de seu salário mínimo que acabara de receber. É uma prova do meu amor, disse. Mas ela persistiu sem acreditar, porque, para ela, amor não tem nada a ver com o dinheiro que se gasta. Mesmo assim, João persistiu em amá-la, quase em segredo.

Antônio sempre caçoava de sua irmã, que lia seu trânsito astrológico de tempos em tempos. Ele sempre achou baboseira esse negócio de mudança de humor por causa de planetas inúteis. Achava que estava tudo no psicológico: se lá tá falando que você vai ficar triste hoje, você passa acreditar que está triste, e fica, dizia. Um dia ele aceitou um impulso e montou seu plano astrológico escondido. No dia passado havia infrentado uma crise pessoal, e o trânsito - que começara ontem dia – descrevia como se sentira.

José sempre foi um menino forte e nunca chorava quando caía no chão, muito diferente dos outros meninos de 8 anos. Ele sempre caía e caía feio, mas nunca chorava porque sentía-se sempre envolto num escudo, que o protegia. É tudo sempre igual, nunca vai mudar. Eu posso viver e tocar a vida para frente sem me deixar abater por essas feridas bestas. Ele até gostava de comer a casquinha dos machucados. Um dia ele caiu, e não foi feio. Aí ele chorou de soluçar.

Leandro gostava de ler seu trânsito astrológico todos os segundos dias em que eles começavam. Achava que era tudo psicológico se lesse no dia em que começavam. Aí ele comprou um buquê para provar o amor que sentia, mas não foi o suficiente. Ele se molhou e gostou disso, mas depois pegou uma gripe. Um dia ele caiu, e não foi feio, mas chorou de soluçar. Depois ele bebeu café para acalmar os nervos. Café bem docinho, mas o gosto de amargo no final o doeu. Daí ele chorou de novo.

João Hernesto