26 de março de 2011

Psicótico, Neurótico, Todo errado

Olhou para a cama. Pensou em todas as coisas que aconteceram em cima dela. Pensou que aquela cama poderia guardar ainda aquela intensidade para sempre. Que para sempre é esse? Pensou que estava enlouquecendo. Tomou mais um gole de vinho.

Costumava sentir um diferente grau de ebriedade com o vinho. Era como se a bebida trouxesse uma solução em meio ao caos. Um caos que, inclusive, era proporcionado pela própria bebida. Um caos que vinha de dentro que o fazia pensar que era ainda mais caótico seu pensamento.

Tomou um gole grande e esperou o efeito chegar.Tomou mais alguns e esperou que o outro chegasse. Chegou. Chegou. Não chegou.

Era inútil tentar acreditar que nunca mais veria aquele rosto. Era inacreditável que não conseguissem lutar contra as barreiras. Era impossível que se amassem tanto e se odiassem tanto. Era incompreensível aquele relacionamento. Era inverossímil aquele conto de fadas ao contrário. Era incoerente a sistematicidade daquela peça teatral.

Sentiu uma dor dentro do peito. Pensou em sofrer sozinho. Pensou ser boa a dor. Pensou ser parte de um processo de desapego. Pensou em morrer. Pensou e viver ainda mais. Sabia que não podia nenhum dos dois. Porque era como se não tivesse inspiração para morrer. E era como se não tivesse inspiração para viver.

Resolveu nada. Só chorou e pensou numa saída. Pensou numa saída que sabia que não acharia sozinho. Sabia que não podia ficar sozinho. Sabia que não podia ficar acompanhado. Sabia que deveria ficar acompanhado.

Entrou naquele jogo de tabuleiro ao contrário em sua mente. Entrou e lembrou-se de que não sabia jogar. Lembrou-se que ninguém o tentara ensinar. Mas era como se ele estivesse por perto, era como se os dois ficassem perdidos juntos. Era como se fosse gostoso ficar perdido juntos. Era como se perdido juntos, os dois constituíam uma só mente caótica. Era como se uma só mente caótica fosse melhor que uma só mente caótica.

E ele acabou por se perder naquele monte de informação nas entrelinhas. Precisava dormir, mas precisava dormir junto. Precisava comer, mas precisava comer junto. Precisava se exercitar, mas precisava fazê-lo com um propósito. Precisava trabalhar, estudar, mas perdera sua fonte de coragem.

Perdera seu escudo líquido. Perdera sua falsa solidez. Perdera seu conhecimento. Perdera seu controle. Perdera a capacidade de lidar com as situações. Perdera a capacidade de sair com os amigos e conversar sobre o preço da cerveja. Perdera a capacidade de acabar com o próprio corpo. Perdera a vontade de tomar aquele vinho.

João Hernesto

1 de março de 2011

Não sou poeta

“Um cão sem plumas
é quando uma árvore sem voz.
É quando de um pássaro
suas raízes no ar.
É quando a alguma coisa
roem tão fundo
até o que não tem).”

João Cabral de Melo Neto

Não sou poeta. Não sei escrever. Não sei descrever sentimentos. Sei sentí-los tocar meu interior. Não sei demonstrar afeição quando devo, não sei demonstrar tristeza quando devo. Sei disfarçar. Sei me mostrar quando escrevo. Sei demonstrar quem eu relalmente sou. Sei demonstrar nada do que eu deva ser.

Não sou demônio nem sou deus. Sou o que há entre os dois. Sou a divergência de opiniões. Sou o badulaque de um maracatu argumentativo. Sou o argumento e o contra-argumento. Sou o argumento ponta-pé inicial. Sou o ínicio do pensamento. Sou a quebra do ócio. Sou a ansiedade da criação. Sou a confusão depois da criação.

Sou a coceira. Sou o intrigado. Sou a gagueira de não saber explicar. Sou o gago que pensa saber explicar, mas não consegue transformar em comunicação o que se passa em sua mente. Sou a máquina mental e colapso. Sou a mente em colapso. Sou o caos. Sou o apocalipse. Sou a bomba que vai estourar, mas acaba falhando.

Sou poeta porque tenho sede da vida. Sou poeta porque não consigo passar abatido o movimento que a chuva faz quando toca meus membros. Sou poeta porque não sei explicar e descrevê-la. Sou impotente. Sou não-dotado de suficiência para traduzir o que minha mente anda sempre matutando. O que minha mente anda sempre tentando descobrir a relação entre os extremos da vida.

Sou poeta porque amo e odeio a vida. Mas não sou poeta porque não consigo nem ao menos terminar esse texto com uma boa solução. A solução inexiste. A solução não me é intrínseca. Eu não sou intríseco à solução. Ela cava tão fundo, até o que não tem. Sou o cão sem plumas. Sou a paisagem do Capibaribe. Sou João Cabral de Melo Neto.

João Hernesto