31 de dezembro de 2011

Vermelho na Virada do Ano

Pergunto-me se é muito tarde para produzir este meu texto de final de ano. Bem, nos últimos anos o teria escrito uma semana antes do Natal, mais ou menos. Dessa vez, o relógio do Brasil marca pouco menos de duas horas para a virada. Como estou na Argentina nesse momento e o relógio aqui marca uma hora mais cedo, isso quer dizer que tenho uma hora a mais para fazer meu balanço anual. Então vamos ao trabalho! (talvez o leitor esteja se perguntando por que trato desse balanço como algo burocrático, mas trata-se apenas de uma tradição que tentei deixar ir e não consegui)
Esse ano foi repleto de infelicidades e frustrações minhas. Acadêmicas, profissionais, amorosas e familiares. Tive uma péssima experiência de um projeto inacabado e outro nem sequer começado por conta de questões que nem saberia mais dizer. Profissionalmente, constatei que não queria mais ser professor porque torno-me aos poucos escravo de um sistema altamente financeiro e capitalista. No setor de romances, tive uma batalha intensa por amar muito e não ter esse amor refletido na realidade, só na idealização. Esse ano foi o ano em que minha mãe descobriu que estava fumando e isso a deixou extremamente triste. E eu ainda nem contei da minha frustração de saber que meus amigos distantes tomavam conta de suas vidas com tantos problemas e eu nem sequer sabia deles.
Por essas razões – que, na verdade, são mais do que as acima listadas – disse há poucos dias que esse ano foi o ano em que as maiores catástrofes ocorreram em minha vida. Esse ano foi o ano em que eu pude vivenciar a depressão e a falsa euforia uma seguida da outra num curtíssimo intervalo de tempo. Esse foi o ano em que eu resolvi que não havia mais conquistas de minha parte e que deveria mesmo esquecer-me de viver. Esse ano foi o ano em que minha vida virou e eu nada fiz, só deixei-me levar pela maré, como que um barco à deriva. Portanto, à deriva desse mar chamado vida em contato com essa grande corrente chamada tempo mantive-me em pé por fora e caindo em meio ao caos por dentro.
Por causa disso, resumi meu discurso mental falando que o ano de 2011 começou comigo usando branco por razões puramente regrais e termina comigo usando qualquer cor que eu tenha trazido na mala. Esse próximo ano, ainda resumi, deve servir para que não haja progresso, deve servir para que as coisas se estabilizem novamente, e só isso. O ano de 2012 deve servir para que eu me livre do meu mundo de sonhos e viva o prazer de usar qualquer cor que tiver em minha bagagem, assim, sem tempo de pensar em tolas superstições, sem tempo para isso.
Bem, agora pouco uma coceira me chamou para escrever. Ela não me convidou, surgiu como uma batida mais forte de coração e disse: escreve o que tens de escrever. Cá estou eu fazendo um balanço positivista do ano que se passou. Cá estou eu tentando ver o que esse ano me fez enxergar e o que tentarei ver no próximo. Cá estou eu ensaiando o que devo escrever. Cá me vou escrever só para poder ter paz mental.
No setor acadêmico, posso dizer que esse ano me fez ver com outra cor o que a universidade tem: a dura realidade do pesquisador graduando. Mas, não, preciso ser otimista neste texto. Bem, esse ano eu tive a experiência de ver um projeto simples do qual fiz parte ir para apresentação em uma grande universidade do estado de Minas Gerais. Esse ano, ainda, tive a oportunidade de cursar disciplinas que deveriam ser puramente simples e foram magníficas. Pude ler literatura e entender o que os teóricos querem dizer com os tais olhos de ressaca. Pude ver os surdos e falar com eles de forma que me sentisse a maior das pessoas. Pude ver a matéria mais difícil com a professora que mais me marcou a graduação e desistir para depois conseguir entender e passar com uma boa nota. Pude ter o prazer de conhecer melhor uma professora que não me caía tão bem e convidá-la para orientar minha monografia, que, por sinal, está ficando um espetáculo!
Profissionalmente, tive algumas infelicidades durante todo o ano, mas esqueci-me de ver quão linda minha profissão é. Pude, agora, no final do ano, escrever um texto com grande alegria mostrando – ou tentando fazê-lo – o quanto é alegre ensinar. Tive o prazer de ver um aluno passar em uma prova com a minha ajuda, tive o prazer de ver uma aluna cruzando o continente e usando parte da língua que a ensinei, tive o desprazer de fazer chorar uma aluna aplicada, dizendo que deveria se aplicar mais, e vê-la, depois, tirar excelentes notas. Esse ano foi o ano em que pude lembrar-me do sonho de ser professor quando era criança.
Amorosamente, tive um relacionamento conturbado esse ano. Um relacionamento que começou o ano e que me despertou meu pior lado, seja lá qual for ele. Posso dizer, entretanto, que amei com toda a força que poderia um dia ter amado alguém. E não me arrependo das palavras de amor e das entregas só porque me lembro do sorriso na noite de réveillon. Com o término, busquei em mim forças o bastante para achar-me novamente. Bem, posso dizer que achei forças fora de mim mesmo quando pensava em minha mãe e nada mais. Noites de superficialidades e papos superficiais me fizeram achar uma grande pessoa. Uma pessoa que me faz encerrar o ano com algo que não havia em mim há um bom tempo: esperança. Essa nova pessoa pode ficar o tempo que for necessário a ela, mas em mim já provocou a reviravolta que precisava: ver em alguém os olhos de quem só deve receber o bem e nada mais.
Familiarmente, posso dizer-me satisfeito. Talvez não tenha dado atenção suficiente a meu pai, a meus avós e tios distantes. Perdi uma tia esse ano e nem sequer a visitei. Recebi minha mãe em casa e só briguei e nada mais. De qualquer forma, posso dizer que recebemos eu, minha irmã e minha mãe o presente de estarmos o Natal e o ano novo fora do Brasil, curtindo-nos uns aos outros como há muito não fazíamos. E, bem, olhar atrás de mim e ver minha mãe dormindo, cansada pelo maravilhoso dia de turista que tivemos ontem – sem contar nos últimos 10 dias em que também o fizemos – é extremamente mágico. Minha eterna companheira. Minha eterna amiga. Minha mãezinha tão querida e tão batalhadora.
Com relação aos meus amigos, esse ano pude ver uma das maiores pessoas que já passaram por minha vida casando-se. Pude vê-la grávida e pude ver seu filho, ainda que por fotos. Por mais que esse ano tenha deixado de visitar uma outra grande amiga e seu filho agora não mais recém-nascido, posso dizer-me feliz por manter contato com ela, ainda que raramente. Uni-me mais com alguns, distanciei-me de outros. Mas me digo feliz com os que ainda tenho por perto. Fazem-me muito feliz e são grande parte do motivo pelo qual sorrio sempre.
Portanto, no final das contas, esse ano não foi lá tão ruim. No que se refere ao que desejo conquistar para o próximo, prefiro, dessa vez, não planejar absolutamente nada. Não acredito que deverei colocar as coisas em ordem nem empacotar minha bagagem de vida. Creio que preciso viver os dias um por um, assim como em Carpe Diem. Não sei bem em que devo apostar, mas sei que preciso ver novamente aquele sorriso seguido de uma fungada de nariz. Sei que preciso ver minha mãe dormindo satisfeita por ter tido o momento de sua vida. Sei que preciso ver minhas amigas e seus filhos. Que preciso ver meu amigo que retornara ao Brasil há um tempo e ainda não o visitei. Preciso finalizar meus trabalhos acadêmicos e preparar o semestre letivo para meus queridos alunos. Preciso ainda escolher meu traje “branco” do réveillon. Pensando bem, ele será vermelho, para que possa me agarrar a essa tola superstição e que possa garantir que verei a fungadinha de nariz que tanto me faz falta aqui distante.
Feliz 2012 para mim e para os mencionados nesse texto. Feliz 2012 para mim e para os que não foram mencionados, mas que vieram a minha mente enquanto escrevia uma letra que fosse. Feliz 2012 às pessoas que me fizeram sorrir e às que me fizeram chorar em 2011. Feliz 2012 aos maias e sua incrível habilidade de prever que será o último “feliz ano novo” que todos daremos. Como será o último, que seja muito bom! E será!
Leandro Augusto dos Santos.

25 de dezembro de 2011

El Rio Tigre

"'Stamos em alto mar". Ou melhor, estamos em alto rio. A cabeça se encosta não por acaso no braço. O braço encostado no dorso deste pequeno barco. A água respinga no rosto e o cheiro é de algo que me lembra a maresia. O vento despenteia bruscamente os cabelos e penso "só quando estou com você, meus cabelos enrolam".
O verde. Ah, o verde... O verde da água. Verde escuro de água escura. O verde do mato. O verde refletido do mato na água. O verde dos olhos. A água verde misturada ao amarelo do sol, fazendo-me recordar do verde e da cobertura amarela numa mistura deliciosa.
O movimento. Neste rio, há aquele mato que nasce no meio da água sem que ninguém saiba explicar. O vento batendo e o mato se movimentando num efeito dominó. O movimento da água batendo e quebrando devotamente na direção contrária à que navegamos. O movimento devoto de meus lábios nos seus. O movimento sexual e o movimento fraternal. O movimento do meu mundo com seu mundo. O movimento.
A saudade. Sinto um êxtase instantâneo e um sono relutante. Vejo um pássaro sobrevoando rente à cobertura da água. Muito rente. Peço ao pássaro que leve um beijo ao final daquele percurso. Peço que entregue minha mensagem de amor. Desejo poder entregar o beijo antes que o pássaro o faça.
Que vença o melhor de nós!

Amélia.

19 de dezembro de 2011

O Sexto Motivo da Rosa

Vi-te caminhar pela porta de entrada. Vi-te roubar o brilho de todas as rosas por mim já vistas. Vi-te caminhar e refletir minha vida toda e prostrei-me à beleza estonteante que carregas em teu lado interior. Vi-me em ti e decidi que deveria lutar para roubar de ti um sorriso ainda maior que o que me arrancaras. Depois desse magnífico dia, resolvi que te deveria amar mais do que jamais amei. Depois desse esplêndido dia, resolvi que deveria proporcionar-te a maior alegria por ti provada. Depois desse momento de eternidade, resolvi que te deveria marcar as pétalas, de forma que fossem ainda mais bonitas, de modo que fossem ainda mais vistosas. E foi aí que a vida passou a caminhar novamente e assumi minha constante postura de quem quer o bem e só o bem. E foi aí que te olhei e vi em ti a árvore mais linda, com frutos mais lindos, com flores mais lindas. Decidi tentar – talvez em vão – transformar teus galhos em material mais resistente que chumbo. Trataria, a partir de então, de transformar-te na mais bela cerejeira já vista. Dia após dia, tratarei de aguar-te. Hora após hora, tratarei de mimar-te. Minuto após minuto, tratarei de transformar tuas folhas em eternas primaveras. Só assim saberei que nunca morrerás. E foi nesse dia que descobri o sexto motivo da rosa, que, diferentemente dos cinco primeiros, diz da eternidade que deixarei em ti. Diz da primavera que nunca escapa, da única estação do ano que a ti compete. Foi nesse dia que vi meu mundo mudar de cor. Foi nesse dia que me cativastes. Esse dia foi o primeiro dia. Esse primeiro dia vive dentro de mim e não morre. Verás aí em mim um eterno admirador. Nunca morrerás em mim. Sempre existirás em meu coração. Não serás em mim rosa efêmera, serás perene.
Leandro Augusto.

“Por que é que a sala fica sempre arrumada, se ela passa o dia inteiro fechada?”

A vida, na realidade, nada tem de sentido. Melhor, tem um sentido tão óbvio que nós, pobres seres, não podemos sequer palpar. Pequenas verdades que nos escapam ao pensarmos muito sobre quem somos, quem é deus, o que o mundo tem de bom. O sentido da vida é bem mais simples e nós acabamos por nos esquecer dele só por divagarmos sobre ele.
Dessa vez, eu prezo a fala. Desprezo o silêncio. Se não dissermos nossos nomes em voz alta, como podemos querer que as pessoas nos conheçam por eles? Ora, parece-me tão tola essa ideia que este texto parece-me sem sentido algum. A verdade é que a vida é tão pequena, o homem é tão pequeno, as ideias são tão volúveis que a solução acaba sendo não haver solução. A mistura entre uma coisa e outra acaba fazendo a vida perder sua essência: não haver essência alguma.
Em meio a tantos questionamentos, em meio a tantas problematizações sem sentido, dissemos que a vida não tem sentido. O que não tem sentido mesmo é o próprio homem e sua estupidez científica. Esse monte de pessoas perdidas em seus próprios pensamentos caóticos me faz pensar que o homem é tão insignificante que chega a irritar. Tão insignificante que chega a ser nada mais do que insignificante.
E caminhamos nós em busca do elo perdido. Caminhamos em busca de respostas a questões que nunca nem deveriam ter sido postas. Caminhamos e vemos que nossa jornada é imensa, quando, na verdade, é curta, muito curta. Quando, na verdade, nossa passagem é extremamente passageira e óbvia. Gozemos do dia antes que termine. Gozemos do infinito sem que saibamos exatamente o que é ser infinito. Estejamos nesse deserto de almas desesperadas e impetuosas. Sejamos impetuosos. Petulantes! Pequenos!
Capadócio

14 de dezembro de 2011

As Ondas

As Ondas

O próximo ano vem chegando. Cá estou eu escrevendo sobre este que está prestes a terminar e o outro que está prestes a começar. Nesse intervalo entre um e outro que não dura tempo algum – talvez um mero “feliz ano novo” – estão contidas as palavras mais infinitas que a alma humana pode proferir. Estão contidas as palavras mais finitas que a mente humana pode inventar. Sentimentos de felicidade e tristeza misturando-se numa perfeita simetria, formando um balanço extremamente cuidadoso para que possamos sentir gozo e angústia numa verdadeira montanha russa de sentimentos. Essa figura de linguagem que não me vem o nome agora. Essa linguagem complicada de ser dominada. Esse texto que só vem aos poucos. Esse ano que termina em aberto. Esse ano que começa sem iniciar. Essa viagem de cérebros e corpos de modo meta-físico o bastante para que possamos controlar. Cresce e cresce. Toma proporções incríveis e domina nosso corpo como se um líquido possuísse um jarro.

Posso dizer que as lições que não aprendi foram as mais apreendidas de todas as de minha pequena vida. Posso dizer que o mar de sensações que senti continua batendo, às vezes forte, às vezes, entretanto, a onda vem bem pequena. De qualquer forma, o oceano continua batendo aqui e as água que aqui bateram continuam a bater, pois o tempo ainda não foi o suficiente para que se distanciassem o bastante. A felicidade que não dominei, a felicidade que não domino. A vontade de dominar pessoas e fazê-las minhas e só minhas. A vontade de dominar a felicidade e mantê-la para sempre viva. Não fica nem ficará. Vai embora assim como as pessoas vão embora. As pessoas passam como um sopro que a mãe Oceania dá para que ondas sejam formadas. Vão embora antes que possamos nos atentar e pular uma onda que seja na noite de réveillon. Passam e vão. Às vezes voltam como memórias intensas. Às vezes as memórias nem voltam e começam, inclusive, a falhar. Mas a mesma onda vem. Continua vindo. Continuará vindo. Para mim e para todo mundo. Para mim, que sempre quis que ficasse.

A felicidade que vai se espalhando pelos mares de outros continentes. Um dia vai embora de vez. Por enquanto, volta vez ou outra. O sentido da vida que nunca fica. Sempre vai. Sempre vai. Sempre morre e nasce. Sempre vive e nunca vive. Os planejamentos que deixam de fazer sentido. As vidas que se tornam nada estáticas. A nossa própria vida que caminha por caminhos que não desejamos. A nossa própria vontade que se perde e se acha. A vida do ser humano. O ser humano e sua psique. O ser humano e sua vontade de dominar o indominável. O ser humano e o abominável homem das ondas. As ondas.

João Hernesto.

7 de dezembro de 2011

Rubem Alves ou Ser Professor

Hoje eu reparei na minha profissão. Tentar defini-la é inútil haja vista a quantidade de funções que temos nós, professores. Enfrentamos pressão de pais, chefes, alunos, conteúdo, didática, teoria, prática, experiência, outros professores e uma instituição chamada educação. Essa instituição que tanto nos faz pensar e repensar vidas, essa profissão que traz à tona um sentimento de frustração e esperança. Essa instituição que, representada pelo giz e voz, vem perdendo equilíbrio e renome.

O professor ganha a vida com pouco, faz o trabalho de muitos, engole a seco muitas situações para um simples manter de aparências. O professor planeja aulas incessantemente e corrige provas da maneira mais justa que pode. O professor que reclama salário que muitos não entendem. Isso porque muitos no mundo não entendem o que é ser professor e estar à frente de salas cheias com alunos encarando e sedentos de conteúdo ou até de um deslize seu.

O professor de verdade tem um motivo principal pelo qual se levanta cedo para pensar em didáticas apropriadas para determinado assunto: o motivo é a mágica que existe entre a locução e a inter-locução. Essa mágica que acontece de maneira invisível aos olhos enquanto fala e seus alunos escutam. Essa mágica de se deixar cativar em poucos dias, essa mágica de entender até mesmo os alunos ditos ruins. Essa dádiva de ter a atenção de pequeninos e grandinhos por um tempo que é, na verdade, muito maior que a aula em si. Essa prerrogativa de poder ver seus alunos crescerem, se desenvolverem e reproduzirem ao menos um único conceito que lhes foi ensinado. Ser professor é se emocionar por ver os alunos se saírem bem em avaliações em que antes não sairiam. Essa chance de poder entender num tempo muito curto o que a vida tem de melhor e não saber nem definir o que é, de fato.

Aos meus alunos do presente e do passado: eu faço tudo, todos os planejamentos, todas as atividades, todas as explicações, todas as avaliações, pensando em vocês e só vocês. Não importa o peso de minha profissão na vida de vocês, ou o peso de minha função na sociedade. Aos meus alunos, obrigado por serem esse eterno aprendizado em mim. Obrigado por serem pessoas que provocam pequenas ou grandes reviravoltas em mim. Obrigado por me ouvirem e rirem de minhas piadas quando sequer são boas. Obrigado por me entenderem quando deixo de cumprir com alguma tarefa. Obrigado por me proporcionarem a maior alegria que eu poderia ter. Obrigado por me fazerem, por fim, entender para quê estou aqui: para ser professor.

Hoje eu reparei na minha profissão e senti um orgulho danado.

Leandro Augusto.

3 de dezembro de 2011

CURTOS DE CURTO AUTOR

Náusea

Vem crescendo e tomando conta de mim como um vômito que está prestes a sair. Não é engasgo, não é gagueira, é náusea. Sempre foi. Sempre será. Nunca vai deixar de ser esse ódio. Nunca vai despertar em mim coisas boas, só coisas ruins. Sempre levanta minha cabeça para o que eu tenho de pior. Não é saúde. É só doença. Quero-me ver livre de fantasmas que me assombram vez em quando por causa de uma simples crise de identidade. Quero vomitar tudo o que eu puder para nunca mais ter que enfrentar a vergonha dessa ressaca contínua.

CURTO AUTOR

Clima

Mamãe, ontem choveu bastante aqui. Chegou um momento em que eu achei que as coisas fossem ficar mais feias. As pessoas corriam feito loucas para encontrar um lugar em que pudessem se abrigar. As luzes se foram. As crianças choravam de medo. O caos chegava aos poucos e subitamente. Pouco a pouco foi se tornando mais claro o súbito do caos. Eu senti sua falta. Mas hoje o céu amanheceu ensolarado. As pessoas lavavam suas roupas. Os guarda-chuvas estavam guardados nas bolsas e mochilas como se estivéssemos todos à espreita da nova chuva. Mas ela ainda não chegou. Por isso minha saudade de você passou. Essa manhã eu sorri junto com os raios do sol. Ontem eu chorei junto com a chuva. Amanhã eu não sei o que será de mim e do tempo. Vou deixando-o definir meu humor e sentimentos.

CURTO AUTOR

Anjo da Luz

Foi como em um sonho que tive há algum tempo. Devia ser criança e avistei uma mulher bastante alta, postura ereta, maquiagem no rosto. Devia ser alguém que me esperava, pois, de alguma forma, me embalou em seus braços e me levou consigo. Fumava um cigarro que me era totalmente estranho. Embalava-me nos braços e me levava consigo. Desajeitado, deixei-me ir. Nada desconfiado, deixei-me embalar. E partimos ao longe. Partimos. Ao longe. Partimos.

CURTO AUTOR

Flor Dorminhoca

Fui dormir satisfeito o bastante pelo fato de dormir. No primeiro dia, eu não era ninguém. No segundo dia, eu era ninguém com uma semente dentro. No terceiro dia, eu era a semente em si. No quarto dia, eu floresci. No quinto dia, eu desabrochei flores. No sexto dia, eu criei galhos fortes. No sétimo dia, os galhos tomavam a proporção maior que meu corpo. No oitavo dia, quis parar de crescer. No nono dia, cheguei à conclusão que minhas raízes estavam longas e fortes demais para parar. No décimo dia, me entreguei e cresci até o final do céu. Fui dormir satisfeito o bastante pelo fato de dormir.

CURTO AUTOR

Maçaneta

Demonstrou elegância ao caminhar. Andou em direção à porta. Olhou para a maçaneta e encarou o objeto de modo que a dava segurança. Abriu a porta e olhou nos olhos. Caminhou com elegância e com os passos pesados. Não fez barulho de sapatos, mas fez barulho de coração ansioso. Aproximou-se e olhou nos olhos. Os olhos a olharam. Olharam-se o bastante para nunca mais pararem. E a elegância foi-se embora depois da segunda eternidade com que se olhavam.

CURTO AUTOR

Não é engasgo, não é gagueira, é náusea. O caos chegava aos poucos e subitamente. Foi como em um sonho que tive há algum tempo. No oitavo dia, quis parar de crescer. Caminhou com elegância e com os passos pesados. E foi aí que a história terminou sem nem ao menos se desenvolver. Incoerente. Inexistente. Ineficaz. Incapaz. Inalador. Respiração. Curta. Curto.

CURTO AUTOR