28 de junho de 2010

O anjo barroco de traços fortes

Hoje eu acordei de um sonho gostoso. Sonhei com meu cachorrinho que fugiu de casa. Sonhei que abraçava-o , beijava seu focinho, apertava seu corpinho até que ele resmungava algo como “isto doi”. Foi aí que eu acordei.

Bem, eu acordei. Acordei, mas o sonho ainda estava ali. Aquele cachorrinho tinha ficado maior, mas eu ainda era impulsionado a apertá-lo e beijar-lhe o focinho. Aquele cachorrinho com bafo matinal me dizendo palavras como “Bom dia”, “Eu te amo” num tom de voz tão suave que quase me desmantelava o corpo.

E a meia luz que da janela vinha anunciava o dia que estava por vir. E essa mesma me insistia em lembrar dos muitos afazeres objetivados para o presente dia. Então eu virava meu rosto só um pouquinho e via o paraíso, assim, como se fosse uma tentação infernal – chamando-me para permanecer deitado para sempre.

E os olhos puxados, e a pele branca e macia. E o destaque de lábios desenhados como numa pintura. E o destaque de um nariz de traços fortes, como a arte barroca. E o destaque mais que presente de um corpo coberto por um cobertor transparente, que deixava escapar um corpo tão fino e quebrável que chegava a dar-me a impressão de eu mesmo ser tão grande e robusto. Delicadeza. “Prometo não quebrar-te”, disse para mim mesmo, tomando cuidado para não acordar o cachorrinho que voltara a dormir.

E dormia meu anjo. E dormia respirando rapidamente e profundo bem nos meus cabelos. Meu anjo respira encostado em mim, respira ar quente como um cachorrinho filhote. E meu sorriso que não queria cessar de modo algum. E meus olhos que não queriam conter as lágrimas.

E foi quando eu realmente acordei que eu pude ver que aquela passagem do sono para o despertar fora a delícia mais metafórica que pude ter. E foi quando eu realmente acordei que eu pude dizer para mim mesmo: “Quero ficar assim para sempre”.

E foi quando eu realmente acordei que pude ao menos expressar uma frase em meio a tanto engasgo: “Bom dia.”

Leandro Augusto.

2 de junho de 2010

Chegou o inverno

Uma pessoa muito minha amiga sempre lê meus textos e acha erros de ortografia. Poderia pensar, que coisa mais chata. De fato, é chato. Mas ora, é para isto que servem os amigos: para serem revisores dos textos alheios. Leitor, pesso descupa por eventoais erros gramaticais e/ou ortografícos.

Ontem a noite foi fria. Ontem eu re-descobri o maior vilão de todos! O amor. E isto é bem não-coeso de minha parte, já que estou apaixonado neste instante. Já que ouço os sininhos, já que minha barriga sente uma dor interminável, já que meu coração vai a mil quando simplesmente sinto os lábios amados encontrarem com os meus.

O problema é que, mesmo sentindo tudo isso, não posso me deixar enganar: o amor é, sim, com toda certeza, uma obra ruim. Um sentimento ruim. Um ato ruim. Uma escolha péssima.

Ouvi uma frase (que, na verdade, são quatro) hoje que me coube tão bem no presente texto. Terei de transcrevê-la, desculpe-me.

“A vida seria tão cheia de paz sem o amor. Tão segura. Tão tranqüila.”

Na realidade essa não é a frase inteira. Desmembremos essa por enquanto. Afinal de contas, esse é o trecho que não faz meu discurso incoerente.

A vida tem exatamente tudo a ver com o amor. Na verdade a recíproca é bem mais verdadeira, no sentido de que não deixa espaços de dúvida para ninguém. Mas talvez essa primeira frase seja um pouco aceitável, pelo fato de a vida ser composta por amor e seus muitos outros sentimentos que em nós são despertados; sejam eles mais para o ódio ou para o amor em si.

O verbo ser é empregado no futuro do pretérito, do modo indicativo. A concordância é feita de acordo com o sujeito da oração. Tá certo. Até aonde eu sei, o futuro do pretérito é um tempo verbal que sustenta hipóteses, que estão mais certas de que não são certas. Transpondo para a frase em questão, a vida não é concebida sem o amor – o que serve de argumento para o parágrafo acima – e a escolha desse tempo verbal mostra que o autor está colocando uma situação puramente hipotética, haja vista que pensar vida sem pensar amor é altamente tolo.

A vida seria, pois, pacífica, tranqüila e segura sem o amor. Mas isso é muito claro para mim. Simplesmente porque o amor é como se fosse um furacão – dos grandes, diga-se de passagem. Ele chega quando não esperamos, muda a cor do nosso mundo, e sai deixando rastros e feridas quase irrecuperáveis. A única diferença entre os dois é que o amor é muito do esperto. Sim, porque ele, antes de passar por nós, anestesia-nos. Aí ninguém nem sente ele passando, ou sente uma sensação muito gostosa, que não é gostosa, mas nula. Nula porque ele só nos dá a alegria de não sentir toda aquela dor.

Mas o resto da frase (que, como dito, não é uma só) está por vir: “E tão monótona.” Dispenso comentários acerca dessa aqui.

Mesmo assim, o inverno chegou. E chegou forte. Cadê as minhas meias?

João Hernesto