30 de setembro de 2011

Lolito

Membro viril constituído de versos decassílabos. Vontade de seu corpo, como antes. Vontade de ouvir música nova. Vontade de apertá-lo e sentir minhas unhas rasgando-o a pele das costas. Senti-lo tocar-me enquanto sinto sua pele toda infantil.

Enquanto gemo, lambe-me a buceta. E sinto-o a língua me acariciar o clitóris. Prazer incomensurável. Toco meus mamilos e vou à loucura. Faça-me cachorra tua, digo. Faça-me gozar, que eu também te faço. Sentir teu líquido ejaculatório dentro de mim, aquecendo-me o corpo frio.

Tu já gozas, né? Bem, acho que sim porque já tem até alguns pelos nascendo um longe do outro. Qual tua idade mesmo? Não importa, quero-te dentro, entrando, saindo, explodindo, tomando conta de tua propriedade nada privada, invadindo-me como um sem-terra. Estou aberta a possíveis invasões e colonizações.

Adélia

27 de setembro de 2011

O Bicho-papão e Edgar

Era um monstro que se debatia pelos porões escuros da cidade. As pessoas procuram resposta a tudo, procuram caminhos a percorrer. As pessoas procuram ser o mais feliz que se pode ser. O monstro era uma vez. Era uma vez um monstro. Infeliz. Separado. Eternamente angustiado.

Não tinha medo da morte. Não tinha apreço pela vida. Não tinha nada a perder. Partiu sem deixar bilhete, sem deixar mensagem, sem deixar legado. Não constituiu uma família e nem família nenhuma o constituiu. Veio do pântano, e para o pântano voltará.

Viveu de passado e futuro. Não viveu de presente. O suicídio coube bem à sua personalidade. Não conseguia ver o que tinha naquele momento, viu o que conquistou até então e sentiu-se satisfeito. Viu o que conquistará no futuro e não viu lá muita coisa. O presente era confuso, obscuro como seu coração.

Depois de perambular por aí procurando um lugar seguro para descansar a alma, resolveu descansar ele mesmo. Pensou que não poderia ficar por aí, que deveria existir algo além daquilo. Quer dizer, o céu ou o inferno. Qualquer calabouço que pudesse o abrigar a alma. Mas não o havia encontrado ainda.

Perdera seu olfato, paladar. Não perdera visão, tato nem audição. Talvez fosse por isso que aquela criatura acima de todos não o tivesse levado a seu fatídico fim. Quando tentou conversar com alguém, percebeu que não fora ouvido. Talvez por não mais existir naquela dimensão. Talvez por não possuir mais um código linguístico.

Nem sequer via fantasmas. Não conseguia achar seus companheiros de dimensão. Não tinha ninguém para explicar o que se passava. Procurou, procurou. Viajou pelo mundo todo em um espaço de tempo que nem sabia delimitar. Quando algo morre, esse algo vira nada. Esse algo vira somente uma figura suspensa, presente na vida dos vivos. À deriva, à revelia.

Olhou pela janela de um garoto. Criança normal. O garoto conversava com alguém mais velho, que parecia ser seu pai ou sua mãe – perdera também os sentidos de gênero. O mais velho o ensinava que o bicho-papão iria chegar a qualquer momento por ele ficar até mais tarde brincando de arte.

Entrou pela porta dos fundos e sentou-se no sofá, ao lado do pequeno menino. Eles se olhavam fixamente. O garoto fitava aquele monstro como se fosse algo estranho, sem saber o que era ou se deveria sentir medo. Ele conseguia ouvir os pensamentos do menino, que imaginava se aquilo se tratava do bicho-papão. Correu para seu quarto depois de longas trocas de olhares, como quem quer se conhecer e conceber. Como quem quer entender o outro.

O bicho-papão o seguiu. Deve ter corrido, já que o garoto também corria. Parou em frente à porta, que se fechou num grande barulho. Viu duas máscaras, uma alegre e outra triste. Viu uma clave de sol e outra que não conhecia. Leu: EDGAR. Entrou pela porta trancada, como quem tem uma grande força sob os objetos de Edgar.

Edgar estava embaixo dos cobertores, com a cabeça coberta, assim como o resto do corpo. Lutava para conseguir cobrir seus pés de criança. O bicho-papão o cobriu. Edgar gritou. Implorou misericórdia. O bicho-papão nada fez. Abrigou-se no armário de madeira e permaneceu lá, feliz por ter encontrado um novo lar.

“O bicho-papão existe na cabeça de quem tem medo de lobo mal.” (ninguém disse isso, mas perece interessante neste ponto do conto)

Capadócio

26 de setembro de 2011

Seresteira Secreta

Ele vai chegar agora, eu sei que vai. Disse que tem que me devolver algo, que passaria aqui para devolver. Está na hora de sair para sua aula. Será que me ligou e eu não vi? Impossível. Olho para o celular a todo o momento.

Vou me deitar e esperar. Procurar um livro para dizer que estava à sua espera. Vou me ajeitar na cama. Vou procurar uma forma de seduzi-lo, mas que seja meiga. Está frio, terei que pensar em uma expressão para meu rosto, pois a coberta cobrirá meu corpo. Colocarei muitos travesseiros e, quando ele chegar, vou jogar todos pelos ares e ficaremos deitados até a hora impedir.

O telefone de casa está tocando. Pode ser ele. Mas acho que não é. Ele nunca me liga em casa, sempre liga no celular. Preciso ir ao banheiro. Será que tomo um banho? Acho melhor não, porque ele está chegando, eu sei que está.

Devo passar perfume? Não, quero que pense que estava em casa, fazendo minhas coisas sem nem sequer pensar nele. Mentira, pensei nele desde ontem quando fui dormir. Acordei pensando nele. Permaneci deitada no cantinho da minha cama, como se ele estivesse do meu lado. Ele está do meu lado, eu sei que está. De alguma forma, imagino que ele esteja fazendo o mesmo em sua casa.

Acho que ele não vem. Preciso me arrumar para trabalhar. Acho que ele está esperando o horário em que não estou em casa para me entregar o que precisa. Talvez ele não queira me ver. Talvez nosso amor está capenga, eu o amo e ele não me ama. Acho que vai ser assim. Talvez vai ser assim. Mas enquanto fico no talvez, sei que ainda tenho alguma chance.

Devo ligar? Não, preciso tomar banho.

Adélia

"É quando a uma coisa roem tão fundo até o que não tem", um cão sem plumas, uma árvore sem voz

Era um bicho inofensivo. As pessoas a queriam mal, no entanto. Mastigava aquela mordaça em si colocada e tentava achar um modo para escapar sem ser pega. As mãos amarradas, os pés amarrados, o corpo amarrado a uma cadeira. A cadeira colada ao chão, como que soldada. As pessoas a observavam e estudavam seu comportamento. Cientistas formulavam teses. A imprensa filmava e reportava. Pessoas ganhavam dinheiro à sua custa. Ela estava ali, parada, esperando alguém salvá-la. Queria morrer, queria desaparecer. Os olhos do mal a puxavam para dentro, os olhos do bem observavam, somente. Não sentia pena de si mesma. Não sentiam pena daquela criatura. Ela é só um desastre natural, afinal de contas, a natureza erra em alguns casos. Restava só ela ser buscada, enfim. Não será. Sofrerá sozinha, aguentará seus ossos enfraquecendo, seus dentes se quebrando e seus cabelos queimando naquele sol. Sentirá seu coração desmiolar e seu cérebro afetar-se. E não haverá anestesia, não haverá misericórdia. Deus assim o quis. Se sair daqui, não serei feliz. Se ficar aqui, morrerei aos poucos. Ficou onde estava. As pessoas iam embora aos poucos. Algumas passavam por perto, mas recusavam-se a olhar. Percebia que as crianças que por lá passavam espichavam, criavam barba, seios e maturidade. Os idosos morriam e cediam lugar aos antes quarentões. Ela via a vida de outros passar. Sua própria vida, ela se esqueceu disso. Não importa mais. Quero que o tempo me mate um dia após o outro. Quero que outonos e primaveras passem despercebidos. Quero que invernos e verões sejam minha tortura.

Capadócio

1 Ref. à Capadócia (Turquia) ou que é natural ou habitante dessa região.

2 Pej. Que age como canalha, fingindo ser importante; que trapaceia, que engana com espertezas ou imposturas.

3 Bras. Pej. Pouco inteligente; ignorante

25 de setembro de 2011

Carta a alguém único

Mariana, 25 de setembro de 2011.

(04:05, pela manhã)

Decidi desistir de tentar manter meu legado. Decidi deixar-te partir e não mais implorar-te teu amor ou compromisso. Acho que confiança nasce dentro de nossos corações como algo espontâneo. Confiança não nasce de provas de amor. Provas de amor são inúteis, são convenções do mundo moderno. Confiança nasce não se sabe de que gênese e acaba quando nosso amor achar pertinente.

Acredito que não seja comprovada e que nada tenha a ver com amor. Acho que amor é como uma voz que grita em nossas mentes, falando “não o deixe partir”. E essa voz ecoa para sempre. Não a chamo de impulso. Chamo-a de insensatez.

Digo que te amo a todo tempo e creio ter-me perdido nas palavras. Palavras são meros mortais, frutos de outros mortais. A poesia está morta. Preciso agora compreender o que é amar-te.

Amar-te é saber que o mundo mortal não me permitiria ter-te e persistir em tentá-lo. Amar-te é conceber uma ideia de vida inteira, como que num estalo, no segundo de um beijo. Amar-te é compreender divina essa voz e julgar-me a mim mesmo nada digno e pecador por sequer pensar em deixar-te ir.

Dizer que te amo não é suficiente para que em mim acredites. Não basta que vejas em meus olhos tolos de criança sonhadora, como a que é feliz por ter a eternidade do momento atual. Não me basta comprar-te flores, levar-te café da manhã, preparar-te um esforçado jantar ou arrumar-me o corpo e espírito. Não basta que ouça sinos ao beijar-te, ou meu corpo inteiro formigar a cada toquede tuas mãos ou que me sinta ansioso por saber que estás para chegar. Não é o suficiente.

Usaria nesta carta os verbos no pretérito perfeito se não fossem estes inoportunos para o que pretendo expressar. Pretendo aqui o atemporal, para que saibas o quanto não importa o tempo e sua engrenagem para amar-te. Não importa se te amo hoje, se te amarei amanhã, se te amei ontem. Importa que te amo rotineiramente, porque simplesmente não sei amar-te num tempo especificado.

Não quero aqui expressar que ficarei triste, que me sinto devastado por dentro. Quero que esta carta seja alegre e nenhuma outra conotação aqui será permitida.

Se as provas interpessoais não cabem aqui, quero poder provar a mim mesmo o quanto te quero bem.Deixo-te ir, se assim desejares. Saberei que te amarei por toda a minha vida e que guardar-te-ei como um suspiro apaixonado, como um sorriso em meio ao caos. Saberei que nunca te tive, mas que sempre o desejarei. Ficarei no mesmo lugar, para que, se me concederes a honra de me fazer feliz por uma noite sequer, terei uma vida toda de esperança pela frente.

Leandro Augusto.

(04:41, pela manhã)

11 de setembro de 2011

Da Cama Que Se Quebra

Notei que minha cama estava se quebrando. Estava lá, suspensa em seus pedaços de madeira, um pouco capenga para o lado direito. Toda vez que me deitar, lembrarei que a cama se quebrará um pouco mais. É como se fosse um processo. O ato de se quebrar não é repentino, como um estalo. Não, é mais do que isso. É um contínuo, que alcança seu ápice rotineiro a cada minuto que se passa. Quebrar nada tem a ver com o verbo, tem a ver com os minutos. Minha cama está se quebrando mais a cada deitada que dou.

Ele ouvia tudo aquilo com cautela. Talvez devêssemos chamar alguém para consertá-la. Como é mesmo o nome? Carpinteiro, marceneiro? Talvez devêssemos simplesmente deixá-la desfazer-se. Talvez devêssemos libertá-la de seu sofrimento, mas não devemos quebrá-la por nós mesmos. É um problema dela, a tristeza de se ver despedaçar é de seu próprio gozo.

As pessoas reclamam quando leio. Preciso terminar este parágrafo, só um instante que já te cumprimento. Elas dão de ombros. Não querem saber se nos perderemos ao voltar à leitura silenciosa. Esses todos e tantos cumprimentos cordiais, com hora e data para acontecerem. Isso tudo não passa de trivialidades do homem inseguro. Esse é o desespero do homem que quer ser amado e acredita, de alguma forma, que poderá ser mais amado e amável se for cumprimentado e cumprimentar de volta como manda o regulamento social do homem social.

Volto à minha leitura.

Se virar minha cabeça até minhas costas, não consigo te ver. Não consigo ver meus próprios pés e muito menos o que há em minha frente, é óbvio. Se volto minha cabeça para o lugar aonde deve estar – que aqui chamarei de posição neutra – persisto em te perder de vista, mas posso ver meus pés e o que há em minha frente. Então, preciso me decidir para onde olhar. Então escolho que não há escolha a ser feita. Decido que preciso fechar os olhos e embarcar num sono profundo. Preciso dormir e acordar semana que vem, quando o processo de quebra de minha cama é finalizado.

Busco aqui satisfazer minha ansiedade, responder as vozes aqui de dentro. Busco tentar calá-las todas. Volto à minha leitura. Ouço-as, ainda. Eles me chamam de esquisito. Eu me chamo de normal. Penso na cama que se quebra um pouco mais, penso no drama do personagem que leio, penso nos problemas e na cordialidade social. Penso na burocracia a que nos propomos ao denominarmo-nos seres humanos capazes de inteligência, consciência, inconsciência, fé e sagacidade. Penso em dormir.

O problema é sempre do relógio e da filosocia que o cerca. O problema é os amantes e o triste determinismo que os cerca. O problema sou eu e o fato de não te conseguir ver, ainda que vire minha cabeça ou que feche meus olhos. O problema é dessa vela que está acabando e vai me deixando na escuridão. A cama vai se quebrar agora. Tenho uma pequena queda. Acordo. Sorrio.

João Hernesto.

5 de setembro de 2011

Homem de 51 anos esconde a mãe morta por 2 anos

(para ler ouvindo http://www.youtube.com/watch?v=PfXJ72qZftA )


Tudo o que vejo é uma folha branca. Logo ela se tornará menos branca. Vejo os desenhos formando-se. Sinto a coceira saindo e libertando-se. Ela começa lá dentro e vai apegando-se a uma forma. Sinto engasgos e, não muito depois, náuseas formando palavras soltas. O que faço é tentar uní-las e formar sintaxes adequadas.

Sou apenas uma criança como qualquer outra. A diferença é que aprendi a ler com 4 anos e a escrever com 5 – o que fez com que minha mãe me amasse mais (e com que as pessoas me olhassem com espanto, mas nunca escárnio) – e, depois disso, eu nunca mais fui o mesmo: o mundo parecia-me pequeno para suas ideias, pequeno para emoções à flor da pele advindas do ser humano. Foi aí que errei, acostumei-me a ser o diferente da turma.

Um dia, acordei e senti que precisava ver além do me ofereciam. E aí eu fiquei cego. Cego no sentido metafórico. Não que eu tenha sido impedido de enxergar, mas eu fui impedido de ver. Minha mãe dizia que não era saudável ser como eu era, os olhares tornaram-se escárnios como que do dia para a noite. Lia poesia e também lia Marvel.

Minha mãe me levava a teatros infantis e eu analisava a estrutura de seus textos. Não tenho dinheiro para bancar tudo isso, você precisa arrumar um emprego, dizia mamãe. Escrever textos não daria dinheiro e não cessaria a falta de renda em nosso leito familiar. As pessoas pediam que terminasse meus estudos, mas não suportava mais a idiotice que as professoras me propunham. Escreva sobre suas férias! Escrevi que li alguns livros, que descobri que, cada vez mais as pessoas me davam asco. A professora sugeriu terapia. Aí eu desisti.

Parece que, quanto mais procuravam em mim o algo errado, mais encontrava nas pessoas esse algo errado. Diria mais que algo, para ser honesto. E, quanto mais eu lia, mais vontade tinha de encaixar padrões para o cérebro humano – que ilógico, hoje eu sei, será para sempre. Minha mente vivia o impasse de achar a perfeição para a mente humana e, acho que, se conseguir fazê-lo, as pessoas me agradeceriam. Se conseguir fazê-lo, conseguirei sobreviver lá fora de uma forma mais sóbria.

Ela acabou de dizer que estava doente, que precisava que eu trabalhasse para trazer remédios para sua cura. Não temos cura, mãe. Ela respondeu que quem não tinha cura era eu; desistir da escola, perder o pai, esconder-se atrás de livros cheios de palavras, criar mundos perfeitos, criar cérebros perfeitos, alimentar minha mente de quase 40 anos com coisas inúteis. Ela também disse que logo morreria e que se preocupava com o legado que eu deixaria para a família.

Isso me fez ter que trabalhar mais em minha teoria. Procurei padrões: se o homem diz que não aceita mais uma xícara de café, isso quer dizer que ele aceita ou que ele, de fato, recusa? Não consigo pensar sob pressão. Mas minha mãe precisa de um legado. Preciso salvar a humanidade, preciso produzir, preciso mostrar para as pessoas minha teoria, por isso, preciso terminá-la.

Destruir seu quarto não ajudaria a conseguir dinheiro. Nós precisamos de leite, você ainda tem o seu cofrinho? Tenho, pode pegar lá. Não, filho, eu não posso sair de casa, o médico disse que não posso. Mas eu tenho que construir meu legado! Comece com um bom emprego!

Aprendi a estacionar minha mente e conter as coceiras, para que as náuseas não surgissem enquanto cobrava os clientes da padaria. Aprendi a manter-me bem por fora, apesar de a guerra aqui dentro estar sendo épica. Quando chegava em casa, tentava me lembrar das ideias que tive durante meu expediente. Mas é como se tivesse adquirido um vício, o vicio se conter as ideias. E aí elas não passavam de coceiras, nunca mais surgiam. E o meu legado se destruía.

Foi numa manhã de abril que encontrei o corpo de minha mãe estirado em meio a seu próprio sangue. Uma arma em suas mãos. Preciso de um legado para nossa família. Corri para o quarto. A padaria ligou e perguntou se havia alguma razão pela qual não fui trabalhar. Respondi que precisava terminar meu legado. Passaram-se alguns meses, dizem eles, mas eu não consigo ver tudo isso. Li a manchete do dia: “Homem de 51 anos esconde a mãe morta por 2 anos”.

Deram-me como louco e internaram-me por representar uma ameaça social. Eu só pedi alguns meses mais para terminar meu legado e salvar o homem do mal que ele mesmo se causa. Bom que aqui o silêncio é grande, meu cérebro parece trabalhar melhor aqui. Briguei por algumas folhas de papel, mas elas se acabaram logo. Escrevi nas paredes do meu quarto. Quando não havia mais espaço, pedia que me mudassem de quarto. Quando acabava o espaço do novo quarto, pedia que me mudassem de novo; e mudavam ,por falar que eu havia quebrado tudo dos outros com meu próprio corpo.

Mandaram-me agora para meu primeiro quarto, onde tantas ideias surgiram. Quando soube, fiquei muito contente, pois eu seria capaz de rever meu projeto em etapas anteriores. Mas, ao chegar em meu antigo dormitório, as paredes estavam brancas e com cheiro de tinta fresca. A cama havia sido trocada, o vaso sanitário estava limpo e nem sequer uma fórmula havia sido salva.

Descobriram um primo distante logo depois que morri, mas ele não quis me enterrar nem chamar parente algum para lamentar minha falência. Deixaram-me em qualquer lugar, como se escondessem a vergonha que um indivíduo como eu representava para a sociedade. Meu primo levou somente algumas folhas rabiscadas coisas sem sentido em uma língua não conhecida, em caligrafias novas para o real. E levou consigo meu legado. Pensou em jogar fora, mas resolveu guardar, como que em memória a minha falecida mãe. Disse para os familiares que era um legado da família: o de engavetar ideias insanas da mente do esquisitão.

João Hernesto