20 de abril de 2012

A Bomba

Enquanto caminhava pelo corredor escuro e molhado de gotículas de sangue despejadas ao acaso, eu sentia que minhas vértebras escorriam por meu corpo. Percebia cada novo movimento que as paredes faziam, cada novo aperto que comprometiam meu coração cansado de procurar. Procurava eu uma bomba, sabe-se lá onde estaria. Não era uma bomba qualquer, era a bomba que causaria alívio a uma busca necessária. Acabava de passar pelo 203. O barulho era de relógio, não de bomba. O sangue de sua porta não parecia tão novo, o que me fez presumir que alguém o havia derramado há tempos. Mas o barulho, ele não era de bomba, não passava de um relógio atrasado alguns anos e meio. Prossegui a caminhada buscando e ouvindo o som da bomba que me calaria os gritos cerebrais. No 226 não havia porta. Havia uma mulher chorando a morte de sua filha. A filha, nos braços, estava com a cabeça coberta de sangue. Em uma das mãos da mulher, a filha. Em outra das mãos da mulher, os cabelos da filha cortados com destreza, como que um bife cortado bem fininho. A mulher perguntava o que eu procurava. Eu não respondia, não havia tempo. A bomba já estava armada, precisava estar em sua presença para que ela desarmasse meu coração. O quarto de número 303 escondia um segredo que não podia ser revelado. Soube disso pelos barulhos secretos que o sangue fazia ao pingar no chão. Imaginei rapidamente que alguém fora pendurado no teto e seu sangue caía porque seu corpo fora meticulosamente virado ao contrário. Não pude me agarrar a esses pensamentos, pois meu coração acelerava a cada novo milímetro que as paredes juntavam. O corredor era escuro e havia sangue. A cada nova batida de meu coração, um novo batuque de um novo coração. A cada novo passo, o batuque perpassava o meu, formando a batida de dois coração prontos para explodir. E a bomba contava sua regressão e eu contava minha progressão naquele corredor. Quando cheguei, finalmente, a meu destino, não pude definir o número do quarto. Havia muito barulho e meu peito apertava. As paredes já tocavam meus dois lados. Ainda que não fosse aquela a bomba, meu corpo não encolheria junto às paredes. Era aquela a escolha a ser feita. A bomba contava e meu coração batia. A bomba explodia meu coração a cada nova contagem. Eu contava três segundos para abrir a porta. Girei a maçaneta de maneira mecânica. A maçaneta girava ao contrário de meu movimento, como que por rebeldia. A porta se abriu, como era de se esperar. O quarto era escuro, mas claro o bastante para que enxergasse seu corpo estirado sobre um colchão velho. Havia ratos por todo o lado. Não havia sangue, mas havia murmúrios meus. Lágrimas escorriam meu rosto de maneira inexplicável. O corpo era quente como não pensei que seria. A bomba contava regressivamente. O coração apontava a mesma direção do meu. Como um pirata que acha seu xis, eu achei minha bomba. Sentei-me, abri a camisa para ver minha bomba. O colo largo apontava para o coração. Abri o peito e encontrei os cinco segundos restantes. Contei 5, 4, 3, 2, fechei os olhos. Seus olhos se abriram e riram minhas lágrimas. A bomba não havia explodido. Não dessa vez. Eu não havia calado meus gritos cerebrais. Não dessa vez. Os murmúrios não calavam mais. Nunca mais. Eu achei minha bomba. É só uma questão de tempo até que me exploda o corpo. Capadócio.