Naquela avenida lotada de pessoas eu passei. Passeei por entre as almas desaventuradas e desnorteadas. Passeei por entre almas perdidas e por entre sorrisos de bom dia casuais e forçados. Forçadamente, finge-me invisível, só para ver se ainda poderia sentir o que das pessoas poderia desprender.
A pequena garota procurava sua mãe, que estava a alguns metros. Perguntava para estranhos, apesar de saber que não podia confiar nos estranhos que passavam pela Avenida Francisco Glicério. Aquela cidade era muito grande para encontrá-la e muito pequena para o medo em si posto. Procurava e confiava nos estranhos. Os estranhos estranhavam-na.
O mendigo olhava como quem implora por um pedaço de lanche que o moço de terno marrom claro deglutia. Sua boca se enchia de saliva faminta. Seus olhos brilhavam de lágrimas solitárias. Seu coração sangrava até que uma moeda fosse colocada em sua boina no asfalto da Avenida Francisco Glicério.
Havia duas freiras em frente ao Mc. Donald’s. Elas contavam suas moedinhas roubadas de suas economias para saciar sua sede com um sorvete tirado da máquina. Era um dia quente e, apesar de suas roupas não serem negras ou escuras, sentiam calor com tantos panos cobrindo suas peles brancas. O cheiro de sabonete barato sendo barrado pelo tecido grosso que cobria suas peles brancas. O branco do sol arrancando o frio que o outono deveria propor naquele horário do dia.
A secretária corria e deixava papéis importantes caírem naquele chão daquela Avenida Francisco Glicério. Seu chefe lhe pedira uma série de cópias logo que chegara no serviço, atrasada pela terceira vez naquela semana. Tremia só de pensar em ser demitida e ter que procurar um outro emprego para sustentar o marido desempregado e o filho de dois anos e meio.
Eu só observava. Talvez porque queria saber se ainda era hábil a ver o mundo dos sentimentos sombrios dentro de pessoas quentes em dias quentes de outono. Talvez porque conseguia facilmente reconhecer um presente, um passado e um futuro quase claro em pessoas comuns. Quando, entretanto, tentava reconhecer em mim os sentimentos que tomavam conta de meu corpo naquele sol de outono, suspenso na Avenida Francisco Glicério, não conseguia ver grandes coisas. Via, sim, um coração medroso. Sentia medo de a menina não achar a mãe, de o mendigo não conseguir moedas o bastante para matar-lhe a fome, de as freiras não conseguirem saciar sua sede, de a secretária ser despedida. Sentia medo de não reconhecer nas pessoas seus medos. Sentia medo de não encontrar em mim o futuro, já que o passado aparecia de relance e o presente sequer existia. Sentia medo que não achasse em mim a resposta para a equação. Sentia medo de não achar a incógnita de minha vida. De qualquer forma, nunca fui lá muito bom em matemática. Se, ao menos, constatar que não sei de nada, que tenho medo de não encontrar o valor de x, dou-me por satisfeito.
Leandro Augusto.