9 de dezembro de 2010

Trânsito astrológico

Já me deixei cair em tentação e não me culpo. Ontem eu senti aquele gosto de café açucarado com gosto amargo insuportável no fundo. E, por alguma razão ilógica, aquilo me doeu por dentro. Você foi e sempre será esse gosto amargo depois do doce. Você sempre será esse sabor doce e inconfundível nos meus lábios. Sabor, esse, que me faz sempre sentir falta e que me faz saber que nunca encontrarei igual.

Mariazinha andava feliz em sua calçada. A calçada não era propriamente dela, mas as pessoas costumam colocar os fatos possessivos assim em sua língua. Bem, a vizinha estava a molhar as plantas. Mariazinha se molhou ao passar na frente da casa da moça e ficou feliz por causa disso. Sentiu um imenso prazer e viu que nunca o havia sentido antes, com nenhuma água, de nenhuma praia, cachoeira ou chuveiro. Depois começou a esfriar e Mariazinha se perdeu na rua em que morava – vê se pode. Mariazinha pegou uma gripe muito forte e não conseguiu mais voltar. Morreu na rua, sozinha.

João uma vez disse para sua namorada que a amava, mas ela não acreditava nele. Então ele comprou um lindo buquê com o dinheiro de seu salário mínimo que acabara de receber. É uma prova do meu amor, disse. Mas ela persistiu sem acreditar, porque, para ela, amor não tem nada a ver com o dinheiro que se gasta. Mesmo assim, João persistiu em amá-la, quase em segredo.

Antônio sempre caçoava de sua irmã, que lia seu trânsito astrológico de tempos em tempos. Ele sempre achou baboseira esse negócio de mudança de humor por causa de planetas inúteis. Achava que estava tudo no psicológico: se lá tá falando que você vai ficar triste hoje, você passa acreditar que está triste, e fica, dizia. Um dia ele aceitou um impulso e montou seu plano astrológico escondido. No dia passado havia infrentado uma crise pessoal, e o trânsito - que começara ontem dia – descrevia como se sentira.

José sempre foi um menino forte e nunca chorava quando caía no chão, muito diferente dos outros meninos de 8 anos. Ele sempre caía e caía feio, mas nunca chorava porque sentía-se sempre envolto num escudo, que o protegia. É tudo sempre igual, nunca vai mudar. Eu posso viver e tocar a vida para frente sem me deixar abater por essas feridas bestas. Ele até gostava de comer a casquinha dos machucados. Um dia ele caiu, e não foi feio. Aí ele chorou de soluçar.

Leandro gostava de ler seu trânsito astrológico todos os segundos dias em que eles começavam. Achava que era tudo psicológico se lesse no dia em que começavam. Aí ele comprou um buquê para provar o amor que sentia, mas não foi o suficiente. Ele se molhou e gostou disso, mas depois pegou uma gripe. Um dia ele caiu, e não foi feio, mas chorou de soluçar. Depois ele bebeu café para acalmar os nervos. Café bem docinho, mas o gosto de amargo no final o doeu. Daí ele chorou de novo.

João Hernesto

2 comentários:

  1. Meu, os seus texto tem uma profundidade tão grande que emocionam. eles são densos, difíceis até, de digerir. Mas é daí que vem a beleza deles, do amargo da vida (e do café) é que se fazem as letras mais belas.
    beijos da sua maior fã (sempre!)

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  2. Gosto dessa contemporaneidade de seus textos. Isso aproxima o leitor deles. Mto boa essa composição de fatos que sempre se relacionam com o eu lírico.
    Parabéns Lê.

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