Meu amigo
se foi nessa madrugada. Por alguma razão, esse mundo não era para ele. Ele não
se sentia satisfeito com nada que pudemos oferecer, apesar de ter sido muito
feliz conosco. Seu sonho era mórbido, ele não tinha planos de viver até muitos
anos pelo simples fato de que sua doença não o permitia. De alguma forma, as
tentativas eram desafiantes para ele, era uma disputa dele consigo mesmo. Isso
quase me alegra, ele venceu, por fim.
Eu não acredito
que ele gostaria que estivéssemos tristes ou que nos sentíssemos culpados,
apesar de nós todos sabermos que temos um longo caminho até aceitar que não
havia absolutamente nada que pudéssemos ter feito. Mas, não, no final nós vamos
entender que ele não precisava da nossa ajuda, sua mente o chamava para seu
triste caminho. Triste para nós, que não entendemos o sofrimento pelo qual ele
passava a cada dia que ia dormir. Ele está feliz em ver que nos importamos com
ele, em sentir que era amado por tantas pessoas. E nós não vamos deixar de honrar
sua imagem nunca. Nossas memórias serão sempre vivas.
Eu o
conheci quando ele tinha 16 anos, ele era tão alegre, tão inocente e, ao mesmo
tempo, tão vivido. Ele era o tipo de pessoa que você queria ter por perto, tão descolado.
Ele estava usando verde e estava dançando e rindo com sua amiga. Eu lembro de
todas as vezes que pausávamos o dia para fumar um cigarro, que na época era Carlton,
no jardim e conversar e ver o quanto tínhamos em comum. Ele tinha sempre as
melhores ideias e os comentários mais engraçados. Quando comecei a perceber que
sua mente era sua maior inimiga, não sabia o que fazer ou como ajudar. Eu acho
que todos se sentiam assim, principalmente por ele ser tão jovem e com tanta
tristeza.
Eu me
lembro dele estudando inglês comigo, ele era um aluno tão dedicado que
provocava raiva dos outros alunos. E como sua habilidade se desenvolveu nesses
anos, ele falava fluentemente pelo simples fato de adorar isso. Também me lembro
que ele se esforçou tanto para conseguir terminar a escola e entrar em uma
universidade pública com muita garra. Ele batalhou tanto por esse objetivo e eu
me orgulhava cada vez mais. Eu também me lembro quando sua paixão pelo design
começou e ele fazia desenhos ainda mais incríveis pelo computador. Ele se
mostrava ali, ele calava suas vozes na cabeça e simplesmente se expressava como
um verdadeiro artista. Nós precisamos nos lembrar dele também pelo artista que
era.
Ele
escrevia, ele desenhava, ele praticava uma língua estrangeira, ele terminava o
Ensino Médio e ele amava. Ele amava muito. Tanto que não conseguia se manter no
mundo real. De alguma forma e por alguma razão, amar alguém o trazia o
sentimento de completude pelo qual buscava. Nós, seus amigos, sempre nos
preocupávamos com isso porque ele não sabia viver um amor sem que fosse
intenso. E ele amou tanto cada uma das pessoas que faziam seu coração palpitar
mais forte que ele esqueceu de ver que ele precisava amar a si próprio antes.
Seu desejo por encontrar alguém que pudesse ser tão intenso quanto ele se
frustrava cada vez mais e, a cada desencanto e novo encanto, suas dores
passavam para a frente, como em uma fila que ele mesmo criou. Ele só não sabia
que essa fila não precisava existir, ela poderia ser mais simples, mais
saudável.
Quando nós
conversamos por último, na quarta da semana passada, ele dizia que estava
triste, que continuava com pensamentos suicidas, mas não conseguia pontuar sua dor.
Nós fomos descartando os fatores que o poderiam estar deixando depressivo e chegamos
à conclusão de que ele estava bem, que não havia motivos. Ele mesmo concordou.
O Márcio
amadureceu muitos nesses anos todos de sofrimento, afinal de contas, sua vida
não foi nada monótona. Mas ele percebeu que estava se tornando um adulto, assim
como percebeu a importância de se aceitar um homem negro. Mas eu acho que aceitar
se tornar adulto não era o que ele queria: sua última postagem no Twitter foi respondendo
à pergunta “quantos anos vocês fazem em 2025” com um “32” e uma carinha de espanto.
Talvez esse tenha sido o que o levou a se levantar e fazer o que precisava
fazer, talvez ele não queria crescer, talvez ele nem saberia o que fazer,
talvez ele não conseguisse se imaginar com 32 anos. Não saberemos.
Nosso
trabalho agora é permitir que sua nova caminhada seja bela, que nossas memórias
dele sejam as melhores possíveis. Eu sinto muito por todos que o conheceram,
por todos que tentaram ajudar, pela família, que sabia como ele sofria mais do
que ninguém, por todos os rapazes e moças que ele amou e por todos os amigos,
os muito amigos, que ele conquistou por ser alguém tão bom. Não é nossa culpa e
ele está satisfeito por ter concretizado seu sonho, ainda que tenha sido
motivado por uma doença.
Amigo, eu ainda
não te perdoei por não ter me dado a chance de te ajudar dessa vez, mas
respeito sua decisão e prometo que vou voltar a escrever, como você queria. Sua
memória estará sempre viva em nossos corações.
Leandro
Augusto.
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