2 de novembro de 2009

Desconexão de assuntos / Insanidade / Artaud

Este texto terá três títulos, podes escolher o de tua predileção. Não repara tamanho caos e multi-facetamento do mesmo, mas cada parte foi escrita em uma hora diferente. Por exemplo, o que estou-me a escrever, escrevo depois de escrever o antigo terceiro parágrafo.

Quando cheguei em casa, o sol estava a iluminar o telhado da vizinhança. Mas parecía-me tudo tão escuro. Eu sentia a velha febre a voltar. Era uma pena que não se tratava de uma febre qualquer, era a febre do desespero de ser adolescente por uma eternidade tão infinita...

Lembrei-me de quando tinha crises em que me achava incabível a este mundo, achava-me louco. Acho-me louco. Quase chego a crer ser um fato.

Há uns dias eu fiz um teste pela Internet. Desses que as garotinhas fazem em revistas teen. Sempre achei patético, mas adorava fazê-los com as revistas de minha irmã. De todo modo, uma amiga pediu-me que fizesse. “Que louco é você” era o nome-título, e confesso que me chamou muito a atenção.

Ontem eu andei feito cachorro de rua – não sei quanto cachorros de rua andam, mas imagino ser bastante, tanto quanto eu ontem. Senti-me louco e resolvi atravessar duas cidades usando meus pés e a chuva como atrito. Andei, chorei, cantei e me encontrei com minha verdadeira paixão: o verde das montanhas ouropretanas. Sei que é um assunto muito reiterado (diria redundante) falar sobre a natureza, mas é tudo o que me faz bem e mal ao mesmo tempo. Ela é minha filosofia, é só nela em quem acredito fielmente.

Quando era jovem, cume de meus dezesseis anos de América do Sul (como na canção de Belchior), dizia-me louco. Talvez por terem-me colocado à cabeça tal fato. Talvez por esconder o que sinto e resolver de uma vez vomitar pensamentos. Dizia-me bipolar. Na verdade, eu queria mesmo sê-lo. Louco, eu digo. Li que a esquizofrenia mostrava seus primeiros sintomas em pessoas de duas décadas. Sonhava com o dia em que chegasse minha vez de ir ao sanatório e me juntar àqueles que não veem mal nas coisas.

O teste revelou-me um nome próprio esquisito e uma frase que me atraiu. Vi-me lá, simplesmente senti-me aquele louco famoso não para mim. Para ser sincero, lembrei-me de minha adolescência, e como eu me tornara o que sou hoje. Acredito mesmo que tornei-me tudo isso graças à minhas crises existenciais, aos meus vômitos e às pessoas que me ouviram gritar. Eu era muito escandaloso, e queria mais. Queria atenção.

É engraçado eu lembrar de uma canção de Belchior agora, porque não foi ele quem sumiu?

Pois bem, eu queria fugir e me refugiar em qualquer lugar que me abrigasse as lágrimas. Eu digo porque ele sumiu, eu queria poder fazê-lo igual. Não pude. Hoje eu tinha marcado um encontro com alguma montanha ouropretana para ler, escrever, chorar e esquecer que há pessoas que me cercam. Não fui. Ainda não sei por quê, mudemos de assunto novamente.

A sociedade contida num sanatório é demente, óbvio. Mas exatamente por sê-lo que eu não seria. Ou seja, há uma sociedade que me aceita, porque ela aceita todos! Quanta comunhão, isso é maravilhoso. Se eu corresse gritando por ajuda pois Hannibal Lecter esta a me caçar com uma espingarda estilo desenhos da Warner Brothers, ninguém me iria impedir. Além do mais, as camisas de forças, particularmente, me interessam. Remédios fortíssimos também. Sei que parece muito desequilibrado de minha parte, mas sempre acreditei que em todos habita uma certa insanidade. O fato de eu escrever não me faz mais louco que tu. Vê bem, não quero parecer sensacionalista e queredor de atenção, só quero escrever sobre algo que sempre quis, mas sempre fui “polido” pelos próximos.

Dizem que quanto mais você segura um louco, mais você o deixa louco. Porque, quando tudo vem à tona, tudo vem de forma intensa. Talvez isto esteja acontecendo comigo. Talvez são meus primeiros sintomas de esquizofrenia. Que felicidade!

O problema é que aquele teste me deixou tão fascinado por aquela frase, que fez-me esquecer alguns dias depois. Ontem a frase me voltou. “Não quero que ignorem meus gritos de dor, e quero que me escutem.”, ou algo do tipo. A questão que ronda esta frase é que Antonin Artaud tomava ópio, droga na qual era viciado. Durante sua vida sofreu dores fortíssimas, e tomava o remédio para esquecer delas. Ele escreveu peças teatrais, ensaios, contos, crônicas, poemas e, suas favoritas, cartas. Dizem que ele sente-se mais à vontade com um interlocutor. Ele também foi ator. De certa forma, as pessoas não creditavam muito em seu dom, porque Artaud era louco, e, na sociedade dos normais, ninguém acredita no que um louco escreve ou faz. Ele morreu sentindo dor, ao pé de sua cama em um sanatório que provavelmente ficava na França. “Não quero que ignorem meus gritos de dor, e quero que eles sejam ouvidos.” Fazia sentido para mim antes, mas agora faz sentido na vida dele também.

Não tenho sentido facilidade em escrever este texto, confesso. Mas acredito nessa ideia louca que me deu. Acredito e confesso também que, primeiro tu deves estar a sentir dificuldade também para lê-lo, e segundamente que a intenção não é mesmo facilitar tua leitura. É claro.

Li uma história que já devo ter escrito em algum de meus textos. Quem conversa comigo já deve tê-la ouvido de meus lábios. Um rei e uma rainha eram respeitadíssimos em seu reino, seu pequeno reino, uma vila. Enfim, isso não interfere no destino das personagens. Na vila havia duas fontes d’água de onde os moradores tiravam água para suas necessidades: uma grande, que nutria a população e uma pequena, dentro do castelo, para o rei e sua esposa. Um dia, a água da grande fonte foi contaminada e isso tornou a população do reino louca. Louca no sentido de insanos mentalmente mesmo. Somente o rei e a rainha não haviam enlouquecido, por não terem bebido da fonte contaminada. A população fez uma caótica revolução para tirar a família real do poder já que não estava mais acontecendo entendimento entre ambas as partes. Imagina tu, os “não-loucos” foram considerados como “loucos” pelos “loucos” porque era minoria. Ninguém quer alguém para comandar uma sociedade sendo essa pessoa louca. A saída foi o rei e a rainha beberem da fonte contaminada e tornarem-se loucos juntamente. Todos foram felizes para sempre, pois trata-se de um quase-conto-de-fadas. Mas, afinal de contas, quem é louco e quem passou a ser? Relatividade, como dizia Einstein.

Então, eu resolvi me enclausurar, mas não cumpri minha própria promessa. Artaud me veio à cabeça e resolvi pesquisar sua vida e morte. Sua loucura me inspira gritar por aí dizendo que sinto dor e que sou louco também. Sua morte inspirou filósofos/sociólogos/antropólogos como Deleuze e Guattari e Foucault a escreverem textos como o Anti-Édipo e a História da Loucura. Artaud me inspirou a escrever este texto sem sentido e trazer um pouco de sua loucura, que agora é minha, para meus textos. Sua arte me inspirou a fazer arte.

Mais do que sua arte, minha dor. Minha dor me inspirou a fazer este texto que tu lês; não me inspirou a gritar, mas ainda vai.

Como trata-se de um texto louco, acabei de resolver usar qualquer dos parágrafos acima como conclusão. Cabe a tu descobrir se este já foi escrito ou será adicionado assim que terminar de escrever esta palavr

Leandro Augusto

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