Antes de começar este texto, gostaria de abrir um parêntese. Analisemos a frase acima sintaticamente: se o termo “de Leandro Augusto” é interpretado como ajunto nominal, tem-se o significado de que algo foi inventado por Leandro Augusto (neste caso, ele seria o agente); agora se o mesmo termo é tido como complemento nominal, Leandro Augusto foi inventado (ou seja, ele é objeto da oração “Inventaram Leandro Augusto”). Ao fim do texto, nobre leitor, terás a resposta a esta questão: Leandro Augusto foi inventado ou inventou algo?
Essa noite senti meu coração batendo forte por uma espera que não sabia o que era. Quando eu era jovem, meus professores (religiosos como só) diziam que essa ansiedade é a falta de Deus. Não o é. Tentei me sentar para ouvir Mozart, que costuma sempre me fazer acalmar. Nada aconteceu.
Sentia vontade de me animar e me tornar novamente vivo. De sair e paquerar novos rostos. De tomar vinho com uma nova namorada e prometer amor eterno. Precisava sair, respirar ar da juventude atual. Queria sentir seu cheiro de perfume barato comprado com o salário do bico que arranjou misturado a cigarro e álcool. Queria tomar cerveja barata, fumar cigarros que custam menos de dois reais o maço. Eu sentia de viver perigosamente.
Saí e o máximo que consegui fazer foi fumar dois dos cigarros baratos e ir ao bistrô que sempre estou acostumado a ir. É um ambiente agradabilíssimo com ótimo atendimento e vinho de qualidade. Costuma tocar jazz, meu preferida - lembra-me ares europeus.
Comi algo e, enquanto fumava o segundo cigarro refleti. Afinal de contas, o que faz um velho senão pensar e repensar o passado. Mas a verdade é que minha crise foi maior, abriu-se ao João Hernesto como pessoa (não como personagem). É que esse meu multi-facetamento me mata. Canso de ser velho e ter momentos jovens. E não pensa tu, meu caro interlocutor, que trata-se simplesmente de nostalgia idosa. Eu sinto que não nasci para ser velho, nasci para ser jovem. Deveria estar junto àqueles jovens belos e cheios de vida. A luxúria deveria percorrer meu sangue de forma insaciável. As crises deveriam ser frequentes.
Foi então que Leandro Augusto me veio à mente.
Tudo o que precisava era um personagem que escrevesse as coisas belas de ser novo. Alguém que diga o quanto a vida é bonita sobre a perspectiva de alguém que tenha menos de duas décadas primaveris. Alguém muito mais inconstante e mais corajoso. Por outro lado, eu precisava que esse alguém fosse infeliz com sua situação e idade. Eu quero o anacrônico e o bipolarismo. Quero alguém que ame fazer parte dos anos noventa, mas que às vezes queira ter participado dos amáveis sessenta. A minha invenção vai ser egocêntrica e convencida. Logo, escrever o pronome “eu” como sujeito será sua marca registrada.
E seria ótimo ter alguém para contar história que fantasio em meus momentos infelizes. Então, se eu quiser falar que saí por aí e bebi até cair no chão e depois transei com um mendigo, eu culparia outra mente, não a minha. Isso é incrível! Todos os meus desejos mais tenebrosos e vergonhosos são, na verdade de outra pessoa.
E esse meu pseudônimo vai criar alguém como eu, alguém que ele quer ser. Como ele quer ser mais velho e ter a sabedoria da idade em si, ele vai procurar alguém para botar a culpa quando resolver escapar do caos juvenil. Portanto, eu serei, é claro, uma criação igualmente. E ele escreverá minha vida toda, desejando ser a sua. Ele escreverá como João Hernesto sem usar o pronome “eu” como sujeito, porque o João Hernesto, para ele, é pouco egocêntrico.
Agora a dúvida me vem, quando chego em casa. Esse eu-lírico deve ser masculino ou feminino? Se for feminino, não poderá ter meu lado agressivo. Ele deverá ser poético e sensual. Ela chamará atenção de todos os homens por onde passa. Ela será a destruidora de corações. Mas quando se apaixona, ela cairia da megestosidade tronal, e se entregaria de corpo e alma. Por outro lado, se fosse homem ele pode ser bem mais inconstante e pode ter uma mente quase psicopática. Ele seria daqueles garotos introvertidos, cheios de sentimentos contidos. Ele escreveria sobre tudo o que o aflige. Ele não faria sucesso entre as mulheres, seria somente o lado inteligente e racional. Não se apaixonaria, pois não acredita em sentimentos que não oferecem futuro garantido, como uma universidade.
Ele tem que ser mulher, pois quero me relacionar com ela. Por outro lado, não saberia como descrever o prazer feminino, haja vista que nunca tive uma vagina. (ainda bem) Ele precisa ser homem, isso já é fato. E eu posso misturar pontos femininos e masculinos nele, para obter algo que me atraia mais para escrever. E eu vou me relacionar com ele, e será muito melhor do que com qualquer mulher que eu tiver, porque ele sou eu. Ele vai me fazer sentir em casa, vai me fazer gozar e querer mais do que me tem a oferecer.
E foi assim que Leandro Augusto virou minha invenção, e eu virei a dele.
João Hernesto
Não sei ao certo qual das invenções gostaria de ser, qual delas preferiria: a maturidade (caduca?) de João Hernesto ou a juventude (inconsequente?) de Leandro Augusto. Pensando, cheguei a uma (des)conclusão quase cabal: João Hernesto não teria mais nada a realizar na sua rabugice, estaria no fim da vida, e, portanto, entregue à porta da finitude. Já Leandro Augusto, não, esse não: o jovem estaria no começo, na ponta da linha, na vontade plena do possível constante realizar descontínuo, no regozijo. Desse modo, calcou-me à consciência, e isso é um problema: não estaria sendo eu barato demais pois, ao escolher Leandro Augusto, não estaria à procura apenas do suposto gozo da vida em detrimento da maturidade supostamente presente na também suposta caduquice hernestiniana? Não estaria negando a morte que, em sua finitude, leva muitos à universalidade? Não, não seria possível essa escolha, definitivamente não seria possível. (Des)conclui: adoraria ser Leandro Augusto no João Hernesto, e vice-versa. Não sei se isso seria possível, mas adoraria. João Hernesto diz ser, e eu prefiro acreditar nele, prefiro acreditar na ousadia que Leandro Augusto lhe traz...
ResponderExcluirAcho que seu comentário é uma interpretação tão perfeita das personagens que, em meio a risos satisfeitos, fico sem comentário - mesmo!
ResponderExcluirDe qualquer forma, muitíssimo obrigado por encarar meus eus. "Pero", eles são MEUS! Você não vai sê-los! prontofalei
=)
Posso apropriar-me dos seus "eus", meu caro. Esse é o problema, ou a solução?
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