24 de agosto de 2010

Podridão (não) assistida


E de alguma forma aquilo me lembrava aquele tempo de tristeza. Aquele tempo de podridão. O cachorro se contorcia no chão, deixando, dessa forma, comprometidos seus ossos sobressaindo à pele. Mijo, bosta, baba, vômito e muita vontade de interromper de uma só vez aquele sofrimento.

Ele estava morrendo enquanto uma plateia o observava como que fugindo do dia-dia, da rotina e dos compromissos. Não é todo dia que passo no centro da cidade pela manhã e encontro um cachorro a morrer, diziam. O cachorro se contorcia. A plateia observava atenta.

Sangue vermelho. Muito sangue. Sua boca já não mais mostrava os dentes quase brancos de nada comer. O sangue tapava qualquer branquidão que pudesse ser aparente. Os corajosos ficaram.

O cheiro ruim subia mais tarde do que esperavam. Eu observava atento. Sentia nojo daquele cachorro. Não tinha vontade alguma de ajudar, chamando algum especialista. Queria vê-lo morto com a língua para fora. Infelizmente demorava mais do que eu pensava que fosse demorar.

Alguns começavam a ir, não só pela demora, mas pelo grande tempo que aquele cachorro os tomara e ainda poderia tomar naquele dia. As desculpas aos chefes começavam a ser planejadas.

Ele morreu, alguém disse. A multidão aumentou desproporcionalmente. O cachorro estava de língua de fora, como muitos presumiam. Um grande silêncio se instaurou por um longo minuto. Pobrezinho, uma dona de casa deve ter falado. Eu não mexia um músculo.

Quando todos já tinham ido embora, somente eu continuava lá, pois havia me esquecido de qualquer compromisso ou horário. Não havia nada a ser feito o dia todo, eu poderia fitar o cachorro quanto quisesse. Pessoas passavam rapidamente à minha volta. Alguns olhavam, outros conversavam ao telefone. Alguns falavam baixinho, alguns berravam exigindo relatórios.

O mau cheiro só aumentava. Ninguém me parou para perguntar nada o dia todo. Eu não chorava. Eu só fitava. Quando o mesmo povo voltava do trabalho para casa, eu continuava ao lado do cachorro, fiel como só.

Agora já era tarde e a rua estava bem vazia. Tudo bem, pode se levantar, eu disse para o cachorro. Bom show, completei. Mas o cachorro não se levantou. O cheiro se tornava insuportável à medida que minha paciência ia se esgotando.

Cansei de esperar. Fui embora logo depois, pois aquela cena era bastante perturbadora.

Pouco tempo depois, o cachorro se levantou, limpou as excreções liberadas durante o show e foi para debaixo da ponte. Preciso de um filé, pensou.

João Hernesto.

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