E foi aí que ele sentiu uma alegria tão imensa vindo de dentro. Sentiu uma vasta experiência de vida, um cidadão do mundo que conhecia quaisquer surpresas que este o pudesse tentar pregar.
Pensou que os poetas tinham razão quando falavam das flores, dos campos, das cores, da profusão de sentimentos. Olhou à sua volta e viu cores. Cores e mais cores. Cores brancas, cores leves, cores pesadas, cores tristes, cores alegres, cores vestidas, cores desnudas, cores coloridas. Mais coloridas que ultimamente.
Cheirou diferente. Paladar diferente. Cheiro de campos de morangos bons para comer e cheiro de morangos ruins para comer. Gosto de chocolate amargo. Gosto de água, das que mata a sede. Gosto de água, das que só fica na imaginação.
E assim pensando, saiu sinesteseando o mundo. E o mundo conversava com ele. Era como se uma única energia movesse tudo, numa sincronia adequada e magnífica. Divina. Sincronia quase aterrorizante, de tão perfeita.
Bom dia, meu amor. Bom dia, dona Maria. Bom dia, moça do pão. Bom dia, senhor de begala. Bom dia, menina indo para a escola. Bom dia, pessoal do serviço. Boa tarde, pessoal do serviço. Boa noite, casa. Boa noite, meu amor.
Beijo nos olhos.
Levantou-se um pouco e olhou nos olhos do outro bem profundo. Fez cara de bobo e voltou a beijá-lo. As mãos entrelaçadas durante todo o ato. O gozo entrando. Gemeu de prazer. Gemeu de paixão. Gemeu de vontade de gozar. Gozou. Deitou-se exausto e quis nunca se levantar. Desejou estar sempre ali, naquela companhia, sentindo aquela sensação.
Você me cativou, dizia a todo momento para si mesmo. Às vezes quase chegava a sussurrar, mas não tinha coragem de dizer em voz alta para não soar tolo. Se eu te falar que morreria o homem mais feliz de todos se morresse agora, você acreditaria? Foi beijado.
Passou a Primavera. Pablo Neruda o dizia.
Passou o Verão.
Passou o Outono.
Não passou o Inverno. Ele nunca chegou. O Inverno veio e ele se foi no primeiro dia. Dia vinte e um de junho, se ele não se enganava.
O café ficou amargo e frio. A barba ficou por fazer. Ficou por fazer por alguns meses. Os bons dias não eram mais bons.
Bom dia, solidão. Bom dia, dona Maria. Bom dia, moça do pão. Bom dia, senhor de begala. Bom dia, menina indo para a escola. Bom dia, pessoal do serviço. Boa tarde pessoal do serviço. Boa noite, casa. Boa noite, solidão. Boa noite tortura.
Passou mais uma noite em claro. Dessa vez nem se importou com as olheiras que isso o faria no dia seguinte. Só se deitou e esperou a dor passar. E não passou. Então desistiu da dor. Mas ele descobriu que não podia desistir.
Começou a conviver consigo mesmo. Mas o sigo mesmo não era tão bom. Não chorou. Não riu, também. Bem, ele riu para os bons dias, doas tardes e boas noites. Mas por dentro ele tentava sicratrizar machudados que não paravam de sangrar.
Ele voltou a ver o mundo como qualquer outro. Passou a não acreditar nos malditos dos poetas. Passou a ouvir críticas políticas. Viu jornais sensacionalistas e viu pobreza. Mas nada o atingia. Nada era pior do que sentir a carência de algo que ele sabia o que era.
Depois ele andou pensando que nada era suficiente. Que nenhum sentimento era ideal o bastante quanto aquele que idealizava. Pensou que, na verdade, a vida não é boa. Se eu morresse agora, seria o homem mais triste do mundo. Porque ele queria uma coisa que parecia nunca chegar: a Primavera.
Mas no dia vinte e três de setembro ela voltou. Neruda voltou a dizê-lo. O inverno se foi, ele voltou. A primavera está de volta. Até o próximo Inverno de café amargo e frio voltar. Mas quem é que se importava?
Ele se importava. Ainda assim, quem se importa? Os bons dias ainda serão dados, ainda que não sejam bons. Ora, deixe que o Inverno chegue. E ele vai mesmo chegar.
João Hernesto