19 de novembro de 2010

Este texto não vale a pena ser lido porque é clichê

E foi aí que ele sentiu uma alegria tão imensa vindo de dentro. Sentiu uma vasta experiência de vida, um cidadão do mundo que conhecia quaisquer surpresas que este o pudesse tentar pregar.

Pensou que os poetas tinham razão quando falavam das flores, dos campos, das cores, da profusão de sentimentos. Olhou à sua volta e viu cores. Cores e mais cores. Cores brancas, cores leves, cores pesadas, cores tristes, cores alegres, cores vestidas, cores desnudas, cores coloridas. Mais coloridas que ultimamente.

Cheirou diferente. Paladar diferente. Cheiro de campos de morangos bons para comer e cheiro de morangos ruins para comer. Gosto de chocolate amargo. Gosto de água, das que mata a sede. Gosto de água, das que só fica na imaginação.

E assim pensando, saiu sinesteseando o mundo. E o mundo conversava com ele. Era como se uma única energia movesse tudo, numa sincronia adequada e magnífica. Divina. Sincronia quase aterrorizante, de tão perfeita.

Bom dia, meu amor. Bom dia, dona Maria. Bom dia, moça do pão. Bom dia, senhor de begala. Bom dia, menina indo para a escola. Bom dia, pessoal do serviço. Boa tarde, pessoal do serviço. Boa noite, casa. Boa noite, meu amor.

Beijo nos olhos.

Levantou-se um pouco e olhou nos olhos do outro bem profundo. Fez cara de bobo e voltou a beijá-lo. As mãos entrelaçadas durante todo o ato. O gozo entrando. Gemeu de prazer. Gemeu de paixão. Gemeu de vontade de gozar. Gozou. Deitou-se exausto e quis nunca se levantar. Desejou estar sempre ali, naquela companhia, sentindo aquela sensação.

Você me cativou, dizia a todo momento para si mesmo. Às vezes quase chegava a sussurrar, mas não tinha coragem de dizer em voz alta para não soar tolo. Se eu te falar que morreria o homem mais feliz de todos se morresse agora, você acreditaria? Foi beijado.

Passou a Primavera. Pablo Neruda o dizia.

Passou o Verão.

Passou o Outono.

Não passou o Inverno. Ele nunca chegou. O Inverno veio e ele se foi no primeiro dia. Dia vinte e um de junho, se ele não se enganava.

O café ficou amargo e frio. A barba ficou por fazer. Ficou por fazer por alguns meses. Os bons dias não eram mais bons.

Bom dia, solidão. Bom dia, dona Maria. Bom dia, moça do pão. Bom dia, senhor de begala. Bom dia, menina indo para a escola. Bom dia, pessoal do serviço. Boa tarde pessoal do serviço. Boa noite, casa. Boa noite, solidão. Boa noite tortura.

Passou mais uma noite em claro. Dessa vez nem se importou com as olheiras que isso o faria no dia seguinte. Só se deitou e esperou a dor passar. E não passou. Então desistiu da dor. Mas ele descobriu que não podia desistir.

Começou a conviver consigo mesmo. Mas o sigo mesmo não era tão bom. Não chorou. Não riu, também. Bem, ele riu para os bons dias, doas tardes e boas noites. Mas por dentro ele tentava sicratrizar machudados que não paravam de sangrar.

Ele voltou a ver o mundo como qualquer outro. Passou a não acreditar nos malditos dos poetas. Passou a ouvir críticas políticas. Viu jornais sensacionalistas e viu pobreza. Mas nada o atingia. Nada era pior do que sentir a carência de algo que ele sabia o que era.

Depois ele andou pensando que nada era suficiente. Que nenhum sentimento era ideal o bastante quanto aquele que idealizava. Pensou que, na verdade, a vida não é boa. Se eu morresse agora, seria o homem mais triste do mundo. Porque ele queria uma coisa que parecia nunca chegar: a Primavera.

Mas no dia vinte e três de setembro ela voltou. Neruda voltou a dizê-lo. O inverno se foi, ele voltou. A primavera está de volta. Até o próximo Inverno de café amargo e frio voltar. Mas quem é que se importava?

Ele se importava. Ainda assim, quem se importa? Os bons dias ainda serão dados, ainda que não sejam bons. Ora, deixe que o Inverno chegue. E ele vai mesmo chegar.

João Hernesto

5 de novembro de 2010

Mulher barriguda que vai ter menino


Para Alice

Secos e Molhados gritando no rádio à pilha. Ela acordou e sentiu-se especial, pela primeira vez. Sentiu-se acompanhada pela presença mais especial que pode haver em sua vida. Feliz aniversário, amor. Ela agradeceu. Sentiu-se radiante. Não por ser seu aniversário.

Entre os dentes, segura a primavera.

Andou descalça em uma casa que podia chamar de sua. Em um lar que era só seu, de contrução só sua e de seu marido. Foi recebida pelo dia com um beijo de uma boca com bafo matinal. Sentiu-se especial.

Andou por cada cômodo, sentindo seu. Pensou em tudo o que viveu para ter o que tem hoje. Pensou em sua trajetória, pensou nas pessoas que encontrou até hoje. Nas presenças que tocaram seu coração de leve. Pensou nas revoluções que certas pessoas a causaram. Pensou nas primaveras que tocaram sua pele de leve. Pensou nos invernos que tocaram sua pele e queimaram. Nos verões que um dia a fizeram ficar vermelha na praia. Pensou nos outonos que eram insignificantes num país como dela.

Sentiu os pés sujos e se lembrou que a casa devia ser limpa. Não vou limpar, decidiu.

Estou mais pesada que antes. Ao mesmo tempo, sinto-me leve, como leve pluma. Sintiu vontade de sair pulando pelas ruas.

Esse não era um aniversário como outro. Seu presente veio dos céus. Ela havia sido presenteada como ninguém nunca fora. Ela se sentiu única.

Isso porque ela não era só ela. Ela era dois, ou duas. Ela amava alguém que nem nome tinha. Amava carregar em si uma vida. Amava ter a companhia de alguém de que ela nunca vira os olhos, sentira o cheiro, vira a cor da pele, degustara a pele. Amava conhecer, entretanto, cada parte de seu corpo. Amava saber tudo o que poderia estar pensando. Amava o fato de ser alimentadora desse ser maravilhoso.

Olhou para o céu e viu um raio de sol tocar seus olhos, fazendo-a confundir a visão. Sentiu seu filho confundir a visão junto consigo.

Ela tocou o chão e sentiu que seu filho tocava o chão juntamente.

Saboreou um morango e sentiu seu filho fazendo careta do azedume da fruta.

Porque é como se toda sua vida só fizesse sentido agora. É como se ela tivesse, finalmente, entrado no ciclo da mãe natureza. É como se ela visse a verdade sobre o mundo.

E em seu lar, sentiu-se um lar. E em seu mundo, sentiu-se um mundo. E em seu olhar, sentiu-se olhar. E em seu coração palpitando, sentiu outro coração palpitando no mesmo ritmo. Na mesma intensidade. Na mesma sintonia.

E Secos e Molhados cantavam para os dois, com a primavera entre os dentes. E gritavam. E eles gritavam juntos.

E notou o ciclo e a passagem de uma vida. Notou a constância do mundo, e quis viver mais e mais. Sentiu alegria em acordar e ter tantos presentes.

Leandro Augusto.

2 de novembro de 2010

Bento

Acordou sem ar. Soluço de choro. Lágrimas molhando seu rosto sonolento. Virou-se e viu o sonho deitado na mesma cama em que estava. Desejou ter mesmo acordado. Sentiu uma mão o acariciando. Sentiu vontade de cortar essa mão fora. Cortou. Levantou-se, porque aquela cama o matava. A mão a dormir.

Eu preciso de paz, pensou. Eu preciso de alguém que me faça sentí-la. Mas talvez nem eu mesmo a possa proporcionar a alguém. Cansei de me martirizar. Cansei de sofrer e perdoar logo em seguida. Cansei de me preocupar se vou sentir falta de algo. A essas alturas percebeu que a dor da perda, na verdade, já tinha chegado.

Pra quê atrasar? Pra quê empurrar para frente algo que vai vir à tona muitas e muitas vezes. Seja em sonhos sofríveis, seja em uma mente insegura. Não vou mudar, não vou tentar ser melhor. Não vou procurar prendê-lo junto a mim 24 horas por dia. Se quiser outro, procurará.

Acordou a mão. Não posso aguentar sua presença hoje; vá. E foi. E, no fundo, sabia que aquela dor passaria, para depois voltar de novo. E vai vivendo essa inconstância de sentimentos que implodem vez em quando. O que mantém à mente é: qual a frequência desses pensamentos? Será que suporto viver nesse caos?

Acho que não.

João Hernesto.