19 de janeiro de 2011

Assassinato no 33

- Tu passas por esta porta sobre meu corpo morto. Estirado e ensanguentado. Caso contrário, fica e termina esse cigarro que está quase terminando.

Ele olhou e sentiu um ódio que quase tirava o controle emocional que ainda o restava. Sentiu vontade de pegar a arma em cima da mesa e terminar com aquilo. E assim o fez. Mas não chegou a atirar: apontou a arma para aquele com quem tinha trocado palavras de amor há alguns minutos.

- Suas palavras de amor não me valem porra nenhuma. Eu não posso permitir que meu corpo deseje alguém que me ama superficialmente. Quero dizer, eu preciso que você me diga que morreria por mim agora, que mataria-me e, logo depois, matarias a ti mesmo.

- Eu não me mataria por minha mãe. Eu te amo desse jeito, esteja satisfeito com o que tenho a oferecer-te.

Mas parecia que para o outro não valia de nada ser infeliz com um relacionamento e terminá-lo. Ele precisava terminar com a própria vida. De alguma forma, aquilo o parecia nada doentio e perfeitamente plausível. Era romântico e não suportava o fato de viver sem o homem que amava.

O ambiente ficava cada vez mais escuro com o Sol indo embora. A sala tinha uma única luz, que funcionava como um holofote: era a lua cheia, que começara hoje e iria até sexta. Sexta era o aniversário de namoro dos dois. Mas os dois sabiam que não chegariam até ele. E o outro sabia que não chegaria nem até amanhã vivo. Havia, ainda, uma pequena luminária que piscava vez em quando. Ela ligava e desligava, como o amor que ele sentia pelo outro.

- Não quero que tenhas pena de mim. Não sou nem quero ser algum tipo de sujeito patético. Se não for te ter, não há problema algum em matar-me. Se você não atirar, como eu seria capaz de segurar a arma?

Os gatos vagabundos já miavam nas ruas daquela cidade barulhenta e noturna. Barulhenta e soturna. Noturna e triste. Soturna e vazia. Vazio como o coração de um homem. Esfarelante como a farofa das ceias de natal das famílias. Tão palpável quanto a fé.

- O coração de um homem é capaz das maiores bondades e das piores violências. O coração de um homem fede. Fede mais do que esse seu cigarro, que está no filtro e você nem mexe nele. Fede mais que bosta de neném. Fede mais que a minha mente insana e insegura. Se não pode me amar até o último momento de nossas vidas, então deixa-me amar-te até o último segunda da minha própria.

- Vou ligar uma música. O que você tem para ouvir?

- Pode colocar esse disco de capa vermelha. Não tem o nome da banda, mas me parece muito apropriado.

A música começou. Na verdade, a música invadiu o barulho que aquele velho apartamento no centro da cidade fazia. As guitarras com sonoridade estridente e perturbadora. Aquela bateria que batia à maneira do coração daqueles dois rapazes. Daqueles dois que seria capaz de se amar e se odiar de um minuto para o outro.

E o barulho lhes preenchia, como um demônio que entra repentinamente na alma de sua vítima. O barulho lhes fazia mais agressivos e depressivos. Mais agressivos e cheios de raiva e ansiedade para o desfecho daquela história. Agora era tudo ou nada. Agora era a hora de escolher a vida ou a prova de amor doentia. Ou a prova de um amor doentio.

E o barulho impregnava no ouvido dos dois. E o barulho lhes fazia contorcer de prazer e dor. Uma dor que lhes tomava conta. E a dor ficava cada vez mais insuportável. Os dois sentiam ânsia e vontade de soltar excrementos por todo o corpo. Eles queriam matar-se com aquela música. E o barulho aumentava.

BARULHO BARULHO BARULHO BARULHO BARUYHLSO AHV=ELKBNIU AZNABULEOR BAULEIRAGO BARULHO.

PUM.

Ele deixou a arma cair. Vestiu-se. Fumou o resto de cigarro que tinha. Deixou a música a tocar. Passou por cima do corpo do outro. Tocou o sangue. Abriu a porta e trancou. Trancou e jogou escada abaixo. Partiu vivo e olhou a Lua por uns três segundos. Deu em cima do primeiro rapaz que lhe cruzou o caminho.

Leandro Augusto.

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