Olhou para a cama. Pensou em todas as coisas que aconteceram em cima dela. Pensou que aquela cama poderia guardar ainda aquela intensidade para sempre. Que para sempre é esse? Pensou que estava enlouquecendo. Tomou mais um gole de vinho.
Costumava sentir um diferente grau de ebriedade com o vinho. Era como se a bebida trouxesse uma solução em meio ao caos. Um caos que, inclusive, era proporcionado pela própria bebida. Um caos que vinha de dentro que o fazia pensar que era ainda mais caótico seu pensamento.
Tomou um gole grande e esperou o efeito chegar.Tomou mais alguns e esperou que o outro chegasse. Chegou. Chegou. Não chegou.
Era inútil tentar acreditar que nunca mais veria aquele rosto. Era inacreditável que não conseguissem lutar contra as barreiras. Era impossível que se amassem tanto e se odiassem tanto. Era incompreensível aquele relacionamento. Era inverossímil aquele conto de fadas ao contrário. Era incoerente a sistematicidade daquela peça teatral.
Sentiu uma dor dentro do peito. Pensou em sofrer sozinho. Pensou ser boa a dor. Pensou ser parte de um processo de desapego. Pensou em morrer. Pensou e viver ainda mais. Sabia que não podia nenhum dos dois. Porque era como se não tivesse inspiração para morrer. E era como se não tivesse inspiração para viver.
Resolveu nada. Só chorou e pensou numa saída. Pensou numa saída que sabia que não acharia sozinho. Sabia que não podia ficar sozinho. Sabia que não podia ficar acompanhado. Sabia que deveria ficar acompanhado.
Entrou naquele jogo de tabuleiro ao contrário em sua mente. Entrou e lembrou-se de que não sabia jogar. Lembrou-se que ninguém o tentara ensinar. Mas era como se ele estivesse por perto, era como se os dois ficassem perdidos juntos. Era como se fosse gostoso ficar perdido juntos. Era como se perdido juntos, os dois constituíam uma só mente caótica. Era como se uma só mente caótica fosse melhor que uma só mente caótica.
E ele acabou por se perder naquele monte de informação nas entrelinhas. Precisava dormir, mas precisava dormir junto. Precisava comer, mas precisava comer junto. Precisava se exercitar, mas precisava fazê-lo com um propósito. Precisava trabalhar, estudar, mas perdera sua fonte de coragem.
Perdera seu escudo líquido. Perdera sua falsa solidez. Perdera seu conhecimento. Perdera seu controle. Perdera a capacidade de lidar com as situações. Perdera a capacidade de sair com os amigos e conversar sobre o preço da cerveja. Perdera a capacidade de acabar com o próprio corpo. Perdera a vontade de tomar aquele vinho.
João Hernesto
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