9 de fevereiro de 2009

Corriqueirarias


Raiva?! Seria possível sentir raiva de alguém tão especial? Sim, de seus conceitos de vida.
Ele abriu a porta para que entrasse.
- Olá - ele disse.
- Preciso de uma conclusão, argumentos o bastante.
- O que houve?
- Caralho, Hernesto! - eu o disse e reparei na cara dele; ele realmente não gosta do meu vocábulo limitado). Às vezes você parece me entender e saber todos os meus anseios, mas muitas outras vezes prefere se fazer de não entendido.
Não era culpa dele. Mas eu precisava descontar o que eu não disse para quem precisava. Eu sei que é algo nada bacana de se fazer, descontar em alguém o que você poderia ter feito com outra pessoa. O Hernesto me entende tão bem que entenderia isso.
Ele permaneceu sem nada falar, como quem espera um tópico pacientemente. Assim como um pato de um parque público espera a comida que você demora a dar por uma simples diversão maudosa.
- Estive na casa de um amigo, certo? Acompanhe bem o caso. Eu preciso que me ajude a entender seu pensamento. Certo, esse amigo é bem idealista e acha que é comunista. Ele é generalizador e injusto, na maioria das vezes. Estereotipador; e isso me irrita bastante, apesar de saber que todos nós, seres humanos, somos assim. É bem difícil ficar com raiva dele, mas, por outro lado, é bem fácil. Digo isto por ele ser um alguém apaixonante e ignorante.
Ele me escutava atentamente, parece que eu o podia ver garoto ouvindo sua mãe contando uma estória antes de dormir.
- Aliás foi este o início de meu discurso com ele. Eu disse que ele é, de fato, uma jóia rara com algo de errado - na verdade eu gostaria de ter dito diamante sem ser lapidado. Acontece que ele não aceita observações negativas em relação à sua pessoa. Não me lembro o que eu disse, exactamente. Lembro-me de ter deixado claro que ele precisava parar para olhar em sua volta, que a vida é repleta de pessoas muito especiais, assim como ele.
Ele só ouvia, era típico dele. Mas eu adorava essa característica. Foi isto o que me levou a ir até sua casa hoje antes de voltar para a minha.
- Me propôs um desafio, ridículo por sinal. O desafio era encontrar cinco pessoas que tivessem vindo para Mariana e que não tivesse o intuito de fumar maconha ou vulgarizar. Ele disse também que o mundo é muito vulgar, que é por isto que ele não se encaixa nesse mundo em que vivemos. João, eu era assim, lembra que te falei. Sempre achei que não me encaixava em nenhum lugar neste mundo. Eu pensava ser alguém diferente e que, algum dia, um qualquer o notaria. Todos sempre notaram. Mas isto não significa que eu precisasse me excluir de todos, até porque, para mim, seria impossível.
Eu pausei.
- Para ele até seria difícil interagir, por ser - como diz - uma pessoa "na dele". Burro ele! Eu notei que todos têm algo a me ensinar, que as pessoas não devem ser analisadas como partes. Devem ser analisadas como um todo. É isto o que somos, um todo. Certo? Eu sei que não aparento ser o que sou, ninguém aparenta. Por isto eu acho que ele deveria olhar as pessoas como eu olho. Ele deve conhecer alguém especial - tipo você - mas não consegue notar nada disto. Ele é cheio de pré-conceitos e ignorância. Isto me irrita nele. Irrita muito, !
- Talvez te irrite por ser o que você era, ou ainda é.
Como pode alguém fazer os comentários mais pertinentes e contextualizados? De forma que ninguém consegue fazer, o João me conhece e isto não me incomoda nem um pouco. É como se fôssemos a mesma pessoa. É como se ele me mostrasse o que eu tenho medo de ver. Ele me julga do jeito mais certo, um jeito que eu nunca teria coragem para fazê-lo.
- Eu disse para ele que o mundo é bem maior do que ele gostaria que fosse. Tive vontade de falar que eu acho que ele vive em um mundinho muito fechado, medíocre e detestável, e isto o impede de ver coisas belas. Ele disse que Mariana é uma cidade vulgar! Eu disse que a cidade não é vulgar. "Não generalizemos" eu disse a ele. Mariana é uma cidade mágica demais para ser vista com estes olhos.
- Muito mágica.
- Por fim eu o disse que, se ele olhasse sem os olhos que ele faz questão de ter, ele veria que talvez seu futuro estava aqui. E eu tenho quase certeza disto, Hernesto...
- Você não tem certeza, Augusto. A única coisa que você tem certeza é de que você gosta muito dele, senão não faria questão de se sentir incomodado com tal conversa, que me parece ter sido pequena, em questão de tempo.
Realmente ele sabia o que falar, nas horas apropriadíssimas.
- Algum dia a vida vai mostrar para ele sua complexidade maravilhosa. A maturidade só vem com o tempo, não adianta ninguém falar. Você sabe disto e deveria compensar neste caso.
- É que me incomoda tanto o fato de ele não ver isto. Ele é um baita d´um filósofo de meia tigela.
- Pode até ser... Mas, aceite, você não vai ajudar um ser sequer. Você pode mostrar o caminho, e isto você já fez com este amigo. Se ele vai aceitar ou não, você não saberá através da boca dele; você vai saber pelos bate-papos que vocês terão daqui para frente.
- O que mais me desafora é o fato de que eu estava falando uma coisa tão importante e ele só assistia ao jogo de futebol. Só ouvia "com atenção" e respondia na hora certa, como se quisesse me ocupar a cabeça por um tempo depois que saísse de lá. E conseguiu me intrigar...
- Você também o intrigou, este assunto não foi qualquer para ele. Ele assistia ao jogo para se proteger, para não te enfrentar e ouvir com os olhos o que você dizia.
Talvez...
- Talvez.
Fizemos uma pausa, como se já tivéssemos acabado a pauta anterior. Realmente havíamos terminado.
- Sua mãe está bem?
- Sim, falei com ela hoje. Falei também com minha avó. Acho que vou escrever uma carta para ela. Uma para minha mãe também.
- Faça isto!
- Farei.
- Agora vá para casa, você não tem que arrumar seu quarto? Lavou a roupa?
- Sim e sim. Certo, vou indo.
- Bom.
- Tenha uma boa noite.
Abracei-o forte, como costumo fazer.
- E obrigado pela ajuda. Ou pelo ouvir de um cara desesperado.
- Boa noite, querido.
No caminho para casa eu não tinha absolutamente nada na cabeça. Eu sentia que a rua sentia a diferença de minhas ideias quando cheguei na casa do Hernesto e quando saí.
Me deu vontade de extrapolar e fazer algo diferente, por um motivo qualquer. Passei na ponte e tive vontade de jogar meus óculos no rio, que corria rápido. Mas pensei que minha mãe teria que mandar meus novos óculos com mais urgência.
Cheguei em casa e não extrapolei mais do que ter comprado uma lata de cerveja e me sentado no computador para escrever esse texto.
Cotidiana/ corriqueira a minha escrita? Lógico, é mais legal assim...

Leandro Augusto

2 comentários:

  1. Nossas aprendizagens mais relevantes não são aquelas que tentam nos ensinar, mas sim aquelas que queremos aprender, tudo tem seu tempo, João Hernesto já sabe disso, e você, você está querendo aprender, isso é bom, muito bom, meu querido amigo.
    Agora vamos ao texto! Hehe... Tem de revisar, tem de revisar!! AnSeio com C, generaliZar com S e eXtrapolar com S, não dá!! Hahahahaha...

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