21 de março de 2010

II

1.
E conforme eu andava, corria para encontrar a razão pela qual aquele homem chorava atrás das moitas de aquela montanha, mais ouvia o barulho dos tambores de forma audaciosa. E era como se eles me chamassem, sendo as súplicas de um ser coitado no mundo, um ser que sofre por não ser querido aonde quer que vá.
Eu, primeiro, avistei esse homem deitado com a cabeça virada para o abismo que aquela paisagem continha. E o abismo era tão grande, que eu podia ver o moço do tamanho de uma formiga lá de baixo. O corpo estava apoiado no chão de cima. E as moitas escondiam parte da cena do crime. Os tambores tocavam tunc bats pift. O tambores diziam “socorro”.
À medida que corria, eu conseguia ver aquele jovem trajando uma jeans suja. Ele parou de chorar por um momento e fixou olhar em um ponto em a sua frente. Assim que virei o rosto avistei um rochedo que desenhavam perfeitamente uma imagem que me botava medo: um rosto masculino. Este rosto mostrava um nariz grande e quebrado, olhos fechados, lábios grandes e carnudos, um queixo reto e angular. Acima daquela cabeça, cabelos cacheados que pareciam dançar com o vento que batia contra as rochas. Entre os cabelos, havia dois pedaços de rocha larga em forma de cone. Eles situavam-se um em cada lado da cabeça, como dois chifres. A expressão do homem era forte, e me amedrontava.
O coral cantou, interrompendo, assim, os tambores que tocavam. O ar cheirava a capim molhado misturado a alecrim fresco.
Andei mais um pouquinho e podia ver, ao lado de aquele jovem de jeans suja, uma fogueira que aumentava. A fogueira dizia algo para ele, mas eu não conseguia ouvir o que era. Os violinos tocavam tão alto quanto o coral gritava.
Quando me virei para ver o que o rochedo mostrava, ouço um barulho vindo de um lugar próximo a o que me encontrava. O homem não estava mais lá em cima. E a primeira coisa que me vem à cabeça é a de procurar por seu corpo estirado em o chão próximo. E eu quase sentia cheiro de sangue jovem.


2.
Era passada a segunda hora do início do ritual. E eu ouvia os tambores que vinham do centro da terra cantarem o milagre da natureza. A fogueira ao meu lado crescia, e eu sentia só pelo calor que quase encostava minhas pernas.
Meu olhar era de um mundo ao contrário. Olhava acima de minha cabeça e via um outro chão que não era o que apoiava meu corpo. E aquele chão me chamava, dizendo tunc bats pift. Era como se eu precisasse me deixar cair.
Nenhuma experiência que eu tenha vivenciado nessa vida pequena que levei até agora se equipara a essa. E eu estava pronto para a morte, para o nascimento de minha alma renovada.
Do outro lado, avisto o rosto de quem está entre minha alma e meu corpo e órgãos. Ele habita cada pequeno espaço de mim. E ele é quem me chama para a vida nova. Quase posso ouvir o corão divino que me chama.
Foi aí que meu corpo se deixa dominar. A fogueira esquenta e quase me queima a coxa. Minha cabeça pesa, como se todo o meu preenchimento do corpo todo tivesse migrado para a cabeça. E então eu sinto que ela é o centro de minhas energias. O corão e os violinos disputam atenção minha, mas eu só posso ouvir as notas que me convidam para a nova experiência.
A cabeça pesa mais e mais. Ela está tão pesada que já nem sinto mais a quentura na coxa. Ela pesa mais para o lado direito, e pesa até cair no chão, desmantelada. Ela cai e quica uma única vez. Assim, jorra um pouco de sangue a uns poucos metros. E eu sinto uma dor tão grande, sinto a cabeça inteira se abrindo e deixando à mostra meu cérebro de menino jovem. Apesar da dor e do peso que escapa conforme minha cabeça se abre no chão, eu estou tão feliz. É uma felicidade imensurável, é a felicidade de dar a luz a um bebê são. É a felicidade de eu mesmo renascer. De eu mesmo ser esse bebê sadio.
Depois disso eu só sinto a alma leve leve. Subindo e subindo leve.

João Hernesto

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