21 de março de 2010

Jazz e jornais

Eu cheguei, lá estava ele, lendo o jornal do dia.
- O que te atrai nesses jornais? Eu costumo ver as imagens e ler apenas o começo da parte cultural.
- Eu nem gosto de todas as áreas.
Eu fiquei sem resposta, pois o que ele havia dito não fazia sentido. Ele continuou:
- Bem, você gosta que ninguém leia o que você escreve?
- Mais ou menos...
- Eu leio tudo o que há de escrito nos jornais para que a expectativa de alguém não vá para o lixo.
Nisso eu me sentei e pedi a Heineken que ele não havia pedido.
- O que te seduziu o bastante a ponto de não chegar na hora?
- É assim que você questiona meu atraso de meia hora?
Ele não disse nada.
- Gosto da sua sutileza.
- Os jornais são bem interessantes, sempre acrescentam algo em meu conhecimento. E esse, especificamente, traz um artigo sobre Mariana. Diz o quanto essa cidade é importante culturalmente nos dias de hoje e trouxe riqueza na época da mineração do ouro.
- Acho que eles esqueceram de dizer como é charmosa.
- Mencionam, não com essas palavras.
Ele pediu dois cigarros que adora fumar naquele bar, que traz uma decoração colonial e alguns jornais para os solitários. O som ao fundo era de jazz. Perfeito para uma pacata noite de Domingo.
- Estive aqui ontem, com meus amigos. E é interessante observar como esse bar muda o ambiente de acordo com a companhia.
- Faz um tempo que não venho aqui.
Silêncio constrangedor.
- Sabia que meu aniversário está chegando?
- Como posso me esquecer?
- É mesmo, você sempre guarda as datas.
- E como vai o seu preparo para a vigésima década de sua vida?
- Normal, sei lá. É mais um ano de minha vida. Esse é o jeito como eu divido minhas fases.
- Mas eu diria que é mais um ano de uma mesma fase, certo?
- Sim. E eu estive pensando... Quando será que foi a última vez que morri?
- Você já morreu?
- Algumas vezes, é assim que divido as fases de minha vida.
- É a sua vida, a sua metáfora. Mas acho que a pergunta mais exata seria quando será que vai ser sua próxima morte, ou então o que precisará acontecer para a sua próxima morte.
- Pois é... Essa minha fase está bem ligada ao misticismo e à filosofia. Antes eu dividia em fatos a minha vida, acho que agora eu divido em conhecimento.
- Conhecimento? É uma boa escolha. Mas o que você tem estudado?
- Então, comecei a abrir meus poros para a Natureza e sua divindade disfarçada. Depois passei a estudar a história da filosofia, isso foi nessas férias.
- Isso parece um pouco paradoxal.
- Por que?!
- Só porque os filósofos não suportam ver sua imagem refletida no plano esotérico, apesar de ser um pouco filosofal esse último.
- É assim que penso. Mas o que me levou a atrasar hoje foi a busca pelo conhecimento. Estava procurando mais sobre o Xamanismo.
- Desculpado.
O silêncio se estabeleceu entre nós.
- Você já reparou como os jovens são diferentes de você?
- Talvez eu busque ser diferente deles.
- Só de olhar pela janela deste bar, podemos vê-los gritando e azarando suas garotas com o plano de fundo de duas igrejas barrocas.
- Isso é bem esquisito. E eles não aparentam buscar conhecimento.
- Você não pode julgá-los por um ato, apenas. Eles estão num momento de descontração; você mesmo saiu ontem com seus amigos e deve ter aparentado essa mesma percepção de velhos, como nós.
- E eu também tenho meus momentos de vazio, momentos em que me esqueço da pesquisa e só quero saber de gandaiar.
João riu.
- Essa palavra, sim, é bem esquisita.
Nós rimos mais um pouco. Depois comentamos a moça de costas de fora e a marca de lingerie. Falamos mais sobre morrer, mas dessa vez falamos sobre como nossas fases são introduzidas nas outras, sem nem percebermos. Falamos sobre o jazz que tocava no fundo e sobre os funcionários do bar. Até que ele trouxe à tona um assunto mais sério e, de novo, constrangedor:
- Não entendo por quê você reserva nosso encontros em momentos ébrios seus.
- É mesmo?! Nunca reparei nisso. Desculpe. Deve ser porque são nesses momentos que eu me encontro comigo mesmo, quer dizer, com você.
- Você está muito bem vestido hoje. Esse cavanhaque te deu um ar mais velho e sofisticado.
- Obrigado.
- Depois pagamos a conta e esticamos papo com o dono do bar. Elogiamos, bêbados, seu estabelecimento.
Depois de nos despedirmos, pensei que talvez ele tivesse razão. E talvez eu tivesse tirado férias, também, dele na minha vida. Precisava encontrar um jeito de remediar isso, ou pelo menos deixá-lo mais feliz.
Pensei, também, que eu deveria começar a comprar o jornal nos dias de Domingo.

João Augusto

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