E aquele sentimento de negatividade, de olhar negativo em relação às coisas ao meu redor, aquele sentimento de que nada podia estar certo, de que eu não podia estar certo perdurava por mais aquele terceiro dia.
De qualquer forma eu precisava ir, sair, ver o mundo e sua engrenagem ainda em movimento. E saí. E vi, e me irritei. Quando pisei com o primeiro dos pés direitos na calçada, notei que não deveria tê-lo feito, não deveria ter sequer pensado em sair, sequer ter pensado que o mundo ainda pudesse me oferecer uma coisa que prestasse, uma coisa que não fosse podre, que não fosse contra minhas éticas pessoais.
Andei na sombra, não andei na luz. Não só porque era uma tarde muitíssimo calorosa – para facilitar a irritação – , mas também porque eu precisava da escuridão, por menor que fosse. Precisava passar desapercebido, como um rato que só passa pelo esgoto e sai à luz quando se encontra numa situação de desespero. Como um rato que se esconde por não ser visto muito bem aos olhos dos diferentes, eu me escondia e não aparecia para os que me cercam, para que eles não vissem como não me encaixo aos planos para um bom cidadão latino-americano. Para que não vissem que não sou capaz de agir como eles, pondo a mentira à frente do cinismo.
No caminho de volta, havia me cansado ver todas aquelas pessoas, que, pelo calor, estavam a andar na sombra, juntamente comigo. A solução era ser cegado por um instante. Como fazer isso, é bem simples num dia de sol amarelo e quente: deixar que seus raios penetrem nos olhos e enganem a retina, criando sombras psicodélicas de cores derivadas daquele mesmo amarelo de sua essência. Consegui o que queria. Não via ninguém, e deixava-me guiar pela memória de aonde havia um poste, ou uma irregularidade no chão de paralelepípedos, e, às vezes, de pedras imensas.
Durante todo o percurso, anda devagar, como quem não demonstra pressa nem raiva. Era um jeito de mostrar a realidade paralela em que me encontrava. E a mulher que estava atrás de mim bufava por provavelmente estar atrasada para uma responsabilidade marcada, ou nem isso, corria por força do hábito, simplesmente. E ela me ultrapassou como um carro que ultrapassa outro que anda devagar na mão da esquerda. Era como se eu andasse devagar sem ser permitido de fazer tal façanha.
E as pessoas que encontrava, eram todas surpreendidas com minha rara expressão de tensão e raiva. E, ao invés do sorriso, recebiam um olá burocrático. Ao invés de sorriso fingido, recebiam qualquer coisa que fizesse diferente o bom humor que sentiam.
E àquele que perguntara sobre a cara que eu tinha, a reposta foi dissilábica: sono. Mas você não disse que dormiria ontem bem cedinho. Não é sono fisiológico, do corpo, é sono da alma, é canseira de ver as coisas caminhando no sentido em que estão caminhando, é preguiça de pessoas.
João Hernesto
Se tem algo que eu aprendi aí nesses últimos dias é que nada é o que parece. Então é melhor averiguar antes de nos estressarmos. Neeh?!
ResponderExcluirEm vez de me utilizar da linguagem verbal para explicitar minhas impressões (e expressões!) sobre esse texto, prefiro mostrar (no link abaixo) a imagem que ele me suscitou.
ResponderExcluirhttp://artfiles.art.com/5/p/LRG/8/853/3MSY000Z/andy-warhol-marilyn-monroe-green.jpg