Notei que minha cama estava se quebrando. Estava lá, suspensa em seus pedaços de madeira, um pouco capenga para o lado direito. Toda vez que me deitar, lembrarei que a cama se quebrará um pouco mais. É como se fosse um processo. O ato de se quebrar não é repentino, como um estalo. Não, é mais do que isso. É um contínuo, que alcança seu ápice rotineiro a cada minuto que se passa. Quebrar nada tem a ver com o verbo, tem a ver com os minutos. Minha cama está se quebrando mais a cada deitada que dou.
Ele ouvia tudo aquilo com cautela. Talvez devêssemos chamar alguém para consertá-la. Como é mesmo o nome? Carpinteiro, marceneiro? Talvez devêssemos simplesmente deixá-la desfazer-se. Talvez devêssemos libertá-la de seu sofrimento, mas não devemos quebrá-la por nós mesmos. É um problema dela, a tristeza de se ver despedaçar é de seu próprio gozo.
As pessoas reclamam quando leio. Preciso terminar este parágrafo, só um instante que já te cumprimento. Elas dão de ombros. Não querem saber se nos perderemos ao voltar à leitura silenciosa. Esses todos e tantos cumprimentos cordiais, com hora e data para acontecerem. Isso tudo não passa de trivialidades do homem inseguro. Esse é o desespero do homem que quer ser amado e acredita, de alguma forma, que poderá ser mais amado e amável se for cumprimentado e cumprimentar de volta como manda o regulamento social do homem social.
Volto à minha leitura.
Se virar minha cabeça até minhas costas, não consigo te ver. Não consigo ver meus próprios pés e muito menos o que há em minha frente, é óbvio. Se volto minha cabeça para o lugar aonde deve estar – que aqui chamarei de posição neutra – persisto em te perder de vista, mas posso ver meus pés e o que há em minha frente. Então, preciso me decidir para onde olhar. Então escolho que não há escolha a ser feita. Decido que preciso fechar os olhos e embarcar num sono profundo. Preciso dormir e acordar semana que vem, quando o processo de quebra de minha cama é finalizado.
Busco aqui satisfazer minha ansiedade, responder as vozes aqui de dentro. Busco tentar calá-las todas. Volto à minha leitura. Ouço-as, ainda. Eles me chamam de esquisito. Eu me chamo de normal. Penso na cama que se quebra um pouco mais, penso no drama do personagem que leio, penso nos problemas e na cordialidade social. Penso na burocracia a que nos propomos ao denominarmo-nos seres humanos capazes de inteligência, consciência, inconsciência, fé e sagacidade. Penso em dormir.
O problema é sempre do relógio e da filosocia que o cerca. O problema é os amantes e o triste determinismo que os cerca. O problema sou eu e o fato de não te conseguir ver, ainda que vire minha cabeça ou que feche meus olhos. O problema é dessa vela que está acabando e vai me deixando na escuridão. A cama vai se quebrar agora. Tenho uma pequena queda. Acordo. Sorrio.
João Hernesto.
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