26 de setembro de 2011

"É quando a uma coisa roem tão fundo até o que não tem", um cão sem plumas, uma árvore sem voz

Era um bicho inofensivo. As pessoas a queriam mal, no entanto. Mastigava aquela mordaça em si colocada e tentava achar um modo para escapar sem ser pega. As mãos amarradas, os pés amarrados, o corpo amarrado a uma cadeira. A cadeira colada ao chão, como que soldada. As pessoas a observavam e estudavam seu comportamento. Cientistas formulavam teses. A imprensa filmava e reportava. Pessoas ganhavam dinheiro à sua custa. Ela estava ali, parada, esperando alguém salvá-la. Queria morrer, queria desaparecer. Os olhos do mal a puxavam para dentro, os olhos do bem observavam, somente. Não sentia pena de si mesma. Não sentiam pena daquela criatura. Ela é só um desastre natural, afinal de contas, a natureza erra em alguns casos. Restava só ela ser buscada, enfim. Não será. Sofrerá sozinha, aguentará seus ossos enfraquecendo, seus dentes se quebrando e seus cabelos queimando naquele sol. Sentirá seu coração desmiolar e seu cérebro afetar-se. E não haverá anestesia, não haverá misericórdia. Deus assim o quis. Se sair daqui, não serei feliz. Se ficar aqui, morrerei aos poucos. Ficou onde estava. As pessoas iam embora aos poucos. Algumas passavam por perto, mas recusavam-se a olhar. Percebia que as crianças que por lá passavam espichavam, criavam barba, seios e maturidade. Os idosos morriam e cediam lugar aos antes quarentões. Ela via a vida de outros passar. Sua própria vida, ela se esqueceu disso. Não importa mais. Quero que o tempo me mate um dia após o outro. Quero que outonos e primaveras passem despercebidos. Quero que invernos e verões sejam minha tortura.

Capadócio

1 Ref. à Capadócia (Turquia) ou que é natural ou habitante dessa região.

2 Pej. Que age como canalha, fingindo ser importante; que trapaceia, que engana com espertezas ou imposturas.

3 Bras. Pej. Pouco inteligente; ignorante

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