3 de dezembro de 2011

CURTOS DE CURTO AUTOR

Náusea

Vem crescendo e tomando conta de mim como um vômito que está prestes a sair. Não é engasgo, não é gagueira, é náusea. Sempre foi. Sempre será. Nunca vai deixar de ser esse ódio. Nunca vai despertar em mim coisas boas, só coisas ruins. Sempre levanta minha cabeça para o que eu tenho de pior. Não é saúde. É só doença. Quero-me ver livre de fantasmas que me assombram vez em quando por causa de uma simples crise de identidade. Quero vomitar tudo o que eu puder para nunca mais ter que enfrentar a vergonha dessa ressaca contínua.

CURTO AUTOR

Clima

Mamãe, ontem choveu bastante aqui. Chegou um momento em que eu achei que as coisas fossem ficar mais feias. As pessoas corriam feito loucas para encontrar um lugar em que pudessem se abrigar. As luzes se foram. As crianças choravam de medo. O caos chegava aos poucos e subitamente. Pouco a pouco foi se tornando mais claro o súbito do caos. Eu senti sua falta. Mas hoje o céu amanheceu ensolarado. As pessoas lavavam suas roupas. Os guarda-chuvas estavam guardados nas bolsas e mochilas como se estivéssemos todos à espreita da nova chuva. Mas ela ainda não chegou. Por isso minha saudade de você passou. Essa manhã eu sorri junto com os raios do sol. Ontem eu chorei junto com a chuva. Amanhã eu não sei o que será de mim e do tempo. Vou deixando-o definir meu humor e sentimentos.

CURTO AUTOR

Anjo da Luz

Foi como em um sonho que tive há algum tempo. Devia ser criança e avistei uma mulher bastante alta, postura ereta, maquiagem no rosto. Devia ser alguém que me esperava, pois, de alguma forma, me embalou em seus braços e me levou consigo. Fumava um cigarro que me era totalmente estranho. Embalava-me nos braços e me levava consigo. Desajeitado, deixei-me ir. Nada desconfiado, deixei-me embalar. E partimos ao longe. Partimos. Ao longe. Partimos.

CURTO AUTOR

Flor Dorminhoca

Fui dormir satisfeito o bastante pelo fato de dormir. No primeiro dia, eu não era ninguém. No segundo dia, eu era ninguém com uma semente dentro. No terceiro dia, eu era a semente em si. No quarto dia, eu floresci. No quinto dia, eu desabrochei flores. No sexto dia, eu criei galhos fortes. No sétimo dia, os galhos tomavam a proporção maior que meu corpo. No oitavo dia, quis parar de crescer. No nono dia, cheguei à conclusão que minhas raízes estavam longas e fortes demais para parar. No décimo dia, me entreguei e cresci até o final do céu. Fui dormir satisfeito o bastante pelo fato de dormir.

CURTO AUTOR

Maçaneta

Demonstrou elegância ao caminhar. Andou em direção à porta. Olhou para a maçaneta e encarou o objeto de modo que a dava segurança. Abriu a porta e olhou nos olhos. Caminhou com elegância e com os passos pesados. Não fez barulho de sapatos, mas fez barulho de coração ansioso. Aproximou-se e olhou nos olhos. Os olhos a olharam. Olharam-se o bastante para nunca mais pararem. E a elegância foi-se embora depois da segunda eternidade com que se olhavam.

CURTO AUTOR

Não é engasgo, não é gagueira, é náusea. O caos chegava aos poucos e subitamente. Foi como em um sonho que tive há algum tempo. No oitavo dia, quis parar de crescer. Caminhou com elegância e com os passos pesados. E foi aí que a história terminou sem nem ao menos se desenvolver. Incoerente. Inexistente. Ineficaz. Incapaz. Inalador. Respiração. Curta. Curto.

CURTO AUTOR

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