16 de janeiro de 2012

A Noite da Insônia e o Dia da Evacuação

É chegada a hora de evacuar o edifício. Essa noite acordei algumas vezes. Tive uma noite horrível. Não por pesadelos. Não por dores no coração. Só não consegui dormir bem. Era como se uma coceira me invadisse e eu precisasse contê-la. Era como se um pedido me fosse feito e eu não soubesse exatamente o que fazer ou por onde começar ou, ainda, qual caminho percorrer. Não por sentir calor. Não por sentir frio. Não pude dormir, nada mais. Sem patologias extras. Não por elas. Por não poder fechar os olhos tranquilamente e embarcar no mundo do sono. Não pude dormir. É chegada a hora.
O relógio marcava nada. O sol não brilhava. As pessoas na rua, de lá de baixo, não emitiam som algum. Lá de baixo elas nada enxergavam. Lá de baixo, ninguém me via. Aqui de cima era eu e as flores, que já estavam morrendo. Bem, as flores morriam mais rápido em minha casa. Morriam porque não sabiam sobreviver em meio ao meu próprio caos. Morriam porque não podiam dormir. A noite foi terrível também para as flores de meu quarto. Meu quarto gritava e pedia que o ajudassem. Ninguém o fez. Éramos eu e as flores objetos inanimados, seres mortos, natureza morta. A noite foi terrível e era chegada a hora de evacuar o edifício. Ninguém se mexeu.
No alto desse morro chamado diversas vezes de edifício, as pessoas se trancafiavam e esperavam o sono bater. Só que o sono não vinha, era petulante. Era intransigente. O sono não vinha. O blues não mais acalmava. O rock’n roll chamava para dançar. O blues chamava para chorar. O rock’n roll chamava para badernar. Ninguém se mexeu. O sono não chegara. O edifício precisava ser evacuado. Ninguém se mexeu. Não por calor. Não por frio. Por não se mexer e só isso. Por não encontrar motivos. Por não haver razões para a evacuação. Ninguém ouviu nada naquela noite. Todos lutavam contra seus próprios quartos para que calassem. Os quartos gritavam. Era chegada a hora.
Levantei-me, preparei um chá mate. Não quis fazer café e não tive coragem de largar a cafeína. Ainda assim, chegara a hora. Debrucei-me o corpo na janela e observei as pessoas passando em silêncio. A dona Maria passava com seu carrinho de compra porque era dia de feira. Silenciosa. O poeta declamava suas poesias porque era dia de palavras ao vento. Silencioso. A dama do cachorrinho passava com o cachorrinho porque era dia de cachorrinho. Silenciosos. As amigas passavam fofocando porque era dia de passar. Silenciosas. O dono do prédio gritava a evacuação porque era chegada a hora. Silencioso. Ninguém se mexeu. Todos reclamávamos a noite de sono perdida. O sono não chegava. A cafeína entrava. O quarto gritava. Eu observava.
Era dia, mas o sol não brilhava. Era uma tarde ensolarada de noite. A noite permanecia aqui. Todos do prédio a sentíamos. Não havia estrelas e também não havia nuvens. Não havia raios de sol e também não havia sol. Não havia lua e também não havia luar. Não havia eu e também não havia tu. Não havia a gramática e também não havia a língua. Não havia. Não existia. A existência tornara-se contestável, apesar de ninguém a contestar. Contestávamos, sim, o quarto e o barulho que nos causava aos tímpanos. Todos acordados. Todos com uma insônia terrível. Tive uma noite horrível. É chegada a hora de evacuar o edifício.
João Hernesto.

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