2 de janeiro de 2013

Amaro


Este escrito tem propósito nenhum. Talvez tenha, mas ainda não posso afirmar com plena segurança qual seja. Preciso escrever. Já faz um tempo que não escrevo nada, um tempo que não me deixo as mãos percorrerem meu teclado e só dizerem por mim. Seja alguma história ficcional, seja baseada em minha realidade, pretendo matar a saudade de escrever. É por isso que preciso aqui tratar de um assunto topical: a lembrança.
Estive na casa de meus parentes nessas férias e me peguei a ver cartas e fotos antigas. Da época em que nem sequer era nascido. Li uma carta de minha mãe endereçada à minha avó dizendo estar viajando e que o Leandro se mexia muito na barriga. Aquilo me satisfez e insatisfez. Não sei se poderei explicar-me, mas agora tentarei. De alguma forma, estar no casulo de minha família me fez lembrar estar no casulo da barriga de minha mãe. Obviamente não tenho memória alguma desse fato, mas posso imaginar o conforto que era lá dentro. Creio que não seja uma ideia só minha, mas o que senti, e – talvez melhor aplicado – como o senti, foi extasiante.
Voltando às cartas, encontrei um poema que havia escrito para minha avó quando tinha provavelmente 12 anos. Não costumo gostar muito do que escrevia em minha adolescência, mas aquele poema é muito bom! Na verdade, isso pode mesmo parecer um ato de Narciso, mas eu realmente sabia compor poemas muito melhor do que agora. Quer dizer, na última vez que compus um poema, eu simplesmente quis-me enfiar num buraco e não sair mais, ainda que não o tenha liberado a público. Fato é: acho que me orgulhei de ter escrito aquele poema.
Hoje comecei a ler pela primeira vez Memórias Póstumas de Brás Cubas. Confesso que as condições exteriores à leitura, misturado ao fato de estar muito cansado, não me possibilitaram prender a mente na leitura. Minha mente foi longe naquilo. Muito longe. Comecei a imaginar como deve ser a passagem dos mundos. Será que eu poderei ver quem compareceu ao meu enterro, ou quem chorou mais por minha falência? Isso me deixou um pouco intrigado. Mas o que me embarcou mesmo foi a possibilidade de me lembrar do que fiz em vida. Isso seria magnífico!
Mas isso me faz lembrar que o assunto deste texto é completamente vago. Não há o que dizer. Não há uma vida inteira para observar de longe e avaliar meus erros e acertos. Há uma mente conturbada por vezes. Há uma mente que observa muito mais o que pretende observar do que o que é necessário ser constatado. Bem, não sei exatamente o que quero dizer com isso. Infelizmente não o sei. Sei que poderei reler isso e tentar absorver o que sentia quando escrevia. Porque o maior presente que se pode receber é o futuro. O futuro de poder olhar para o passado e entender um pouco melhor o que se passava. Por outro lado, o futuro de olhar para trás – gosto dessa metáfora – e lamentar as lembranças que nosso coração faz questão de guardar. Amargamente.
Leandro Augusto.
Post-Scriptum: Pelo que pesquisei, o título Amaro, que me veio repentinamente à tona, refere-se a um licor italiano de gosto amargo tomado após refeições para a digestão. O futuro olhando o passado.

2 comentários:

  1. Não quero que você seja uma vítima do mundo adulto. Que suga a inocência, a dor, o amor e todas as maravilhas que nos fazem querer.

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  2. Bom, você diz, na primeira parte e em alguns outros momentos (de forma direta e indireta), que o texto não tem propósito. Eu discordo. Pelo simples fato de que no primeiro momento você começa a citar um fato que remete a sua origem enquanto humano. E depois, o segundo ponto mais evidente é a “memória póstuma”. Todo o seu texto, a meu ver, gira em torno da memória. Discordo do comentário acima quando tenta argumentar numa subjetivação autoral, distante da função autor, e diz coisas relacionadas com as impaciências de ser e estar no mundo: nascer, crescer, viver, morrer. Acho que o foco do texto e o mais belo do mesmo, não estão em pensar sobre como é torna-se adulto e deixar coisas de lado (a própria morte tácita no “nascer”). Está no próprio questionamento da acumulação de memória... No patrimônio humano (imaterial). Ou seja, a própria existência sendo posta em questão quando não nos lembramos de nosso nascimento e nem do momento em que nos reconhecemos no mundo e o mesmo aplicado a nossa condição de seres finitos – que se perdem, ou talvez não, no tempo. Poder rememorar, é ter certeza sobre a existência... Em morte ou nascimento, quem nos garantirá isso? Em morte, as memórias póstumas (por alguém). Em nascimento, a carta da mãe que reclama da agitação do feto Leandro... E aí, a meu ver, temos o principal ponto do texto: as evidências de nossas existências (ou não), por memórias alheias (alguém, novamente). Adoro o texto pela performatividade do escrever, onde a linguagem por si só é exaltada (já que o “autor” não sabe o motivo de estar escrevendo e simplesmente deixa “as mãos percorrerem meu teclado e só dizerem por mim”) – o escriptor de Barthes. ( Suas palavras "Nunca se esqueça, a filosofia é deliciosa, mas seu perigo é tremendo, gigantesco. Sua busca é dolorosa, mas, antes morrer sabendo do que morrer duvidoso". Ass: Anjo Barroco.

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