16 de novembro de 2011

Feriado Prolongado

Abriu os olhos e percebeu estar atrasado. Deve ter pronunciado algo como “droga”, apesar de não se lembrar exatamente. Olhou para o lado e persistiu em olhar aquele olhar sonolento de garoto grande. Como se o feriado ainda o chamasse para ficar deitado, como se os dias de folga o tivessem feito tão bem que acordar seria absurdo.
As palavras de amor que o invadiam, os sentimentos de afeição que o atacavam e deixavam-no sem armas. O feriado que tinha de se prolongar, não podia acabar. A vontade de continuar. A vontade de mais cinco minutinhos, que pareciam muito mais. De alguma forma o tempo quando estavam juntos os fazia mover-se lentamente. Bem lentamente. Fazia-os parar a engrenagem quase que por completo. Fazia-os querer pausar o relógio. A briga entre o passado e o futuro. E o presente que nunca podiam segurar.
Há duas semanas se encontraram pela primeira vez. Eram rapazes muito bonitos.Chamavam atenção por onde passavam. Cheirosos como só, chamavam a atenção um do outro. Ele estava bastante ansioso pelo encontro. O outro estava de ressaca. Não se sabe por que, mas ele sentiu que o outro sentia algo parecido com o que ele sentira durante o dia. Conversaram e puderam analisar um ao outro. Ele reparou que o outro estava apreensivo, só pelo jeito como seus braços ficavam em meios às próprias pernas. Ele percebeu que o outro tinha muito em comum consigo e percebeu que algo aconteceria entre aqueles dois. Percebeu aí que os dois tinham algo para fazer o mundo um do outro balançar. Eu posso me apaixonar em uma noite, disse. O outro sorriu, mas ele não pôde constatar se era dos bons ou não.
Bem, as pessoas que assistiam àquilo pensavam que a história era uma boa história, mas não entendiam o real significado que aquela experiência lhes propunha. De um jeito estranho, um sentia necessidade do outro. De um jeito ilógico, ele sentia-se totalmente confortável com o outro. De um jeito lógico, ele disse que o amava. E quem há de negar que está ele errado por querer demonstrar o carinho que pelo outro sente? Ele precisava dizer que foi por causa do outro que o sorriso não lhe saía do rosto há duas semanas. Ele precisava que o outro soubesse que, quando não está com ele, está com vontade dele. Ele precisava mostrar que o mundo começou a ter mais cores e as pessoas começaram a ter mais cores só por causa da intolerância que sentiu ao se deparar com um mundo de cores nos olhos do outro.
E depois de toda essa sinestesia de cheiro, sabor, toque, visão, espírito, lembrou-se que estava mesmo atrasado. Levantou-se e viu o outro o observar atento, como quem quer aprender mais sobre algo. Pensou, esse menino não pode existir! Mas existia. E estava ali o bloqueando de passar pela porta para resolver os problemas de seu atraso. A vontade de ficar o tomou conta. A vontade de ficar para sempre o tomou conta. Mesmo assim, foi. Foi sem saber se o veria novamente, pois, como discutiram, o futuro não existe. Foi sem saber se teria a oportunidade de desfrutar aquela migalha de divino que dos deuses lhe foi lançado. Foi com a plena certeza de que sua vida mudara, de que tempos bons estavam por vir. Foi e soube que viver agora era muito bom. Foi e continuou pensando nele. E continuou pensando no feriado só para ver se o feriado se prolongava mais um pouco.
João Hernesto.

10 de novembro de 2011

Ode à Alegria

Caro,

Há algum tempo resolvi, claro que em meio a um desesperador salto de um minuto, que deveria esquecer-te. De forma esquisita, decidi que não mais tremeria ao ouvir falarem de ti, ou não mais em mim nasceria o incontrolável desejo de procurar-te em vão. Decidi ser feliz sem ti e amar-te como um passado prazeroso de que faria questão de esquecer.

Procurei dentro de mim mesma vontade de ser mais bonita, de ser mais sorridente, de deixar minha própria luz brilhar mais alto que a tua. Foi exatamente isso o que fiz. Tendo isso em vista, não posso afirmar com plena certeza de que me encontro num momento mais feliz. Não posso comparar as duas situações – a que me encontrava ao teu lado e a que me encontro a meu próprio lado – de forma coerente e racional. Posso, entretanto, dizer que procuro ser mais feliz agora do que fui contigo. Isso pelo simples fato de querer meu próprio bem, possuindo-te ou não.

E a possibilidade de ter-te de volta, eu simplesmente excluí dos pensamentos. E digo exatamente o motivo pelo qual cheguei a essa conclusão: não te quero mais em minha vida. O tempo desse salto eterno – que deve mesmo ter durado um minuto ou menos – fez-me ver as coisas de um patamar acima. Assim como se os deuses tivessem-me levantado e possibilitado ver as emoções na forma de maquete escolar, pude ver as ações que tinhas para comigo e resolvi que, de fato, não te quero mais.

Descobri que não éramos felizes de qualquer forma. Descobri que construí em ti um porto seguro e que não conseguia desapegar dele. Talvez por desejo por tua pele, por teu sexo, por dormir agarrada a ti, não pude ver a vida pelo que ela me é apresentada: realidade. Não te procuro mais pelo fato de não mais querer me enganar e entrar neste legado imaginário. Eu me permiti, assim, ser mais forte quando te visse pelas ruas escuras da cidade.

Quando te vi, por acaso, tocando teu piano um tanto desajeitado, na mesma hora senti meu coração palpitar de forma nada correta, de forma doentia. Doentia porque tomou conta de minha alma inteira e me fez parar para cumprimentar-te. Se eu soubesse que ebulições pequenas me causariam aquele encontro, não te teria entrado e te teria guardado como o que já não quero mais. Mesmo assim, entrei. Saí decidida a não mais te procurar.

Naquela noite, tu me procuraste. Alguns dias depois, tu me encontraste sozinha na praça e paraste para conversar. Pela noite, tu me procuraste novamente. E é pelas ebulições, é pelas erupções febris que tua presença causa em mim que venho pedir-te: deixa-me só. Deixa-me esquecer de teu rosto aos poucos. Deixa-me ver-te como quem se foi e deixou o legado intacto, ainda que morto. Deixa-me viver minha vida e eu prometo não procurar-te também. Quero, sim, tua amizade, mas agora eu preciso manter distância do que para mim é perigoso, não por medo de perder o auto-controle, mas por medo de não sobreviver. Porque é isso o que tu fazes em mim: faz-me morrer minuto por minuto.

Hoje eu não quero mais morrer. Eu quero viver. Comigo, não contigo. Para mim, não para ti. Hoje eu quero Ode a Alegria de Beethoven, não Eu Perdi o Sentido do Mundo, de Mahler.

Adélia.

9 de novembro de 2011

Minguante Sempre ou Insensatez

Parece que foi ontem que o mundo de verdade bateu em minha porta. E é até bastante engraçado me lembrar como o meu próprio mundo revirou e virou e revirou e titubeou. Foi assim: eu era adolescente e virei adulto num estalar de dedos. E, quando eu achava que a vida não me poderia pregar peças desgraçadas, lá se foi mais uma fase de minha vida começando e outra terminando.

Sim, porque na minha vida as coisas têm muito mais sentido quando uma porta se fecha para que outra se abra. Em minha casa, as portas permanecem fechadas. Se preciso passar de um quarto para outro, fecho a porta do primeiro quarto para só depois abrir – e fechar – a do segundo. Metodismo à parte, é assim que enxergo as coisas.

E aí minha cabeça vai rodando e a engrenagem começa a girar intensamente. As coisas aqui dentro vão esfumaçando e fica levemente difícil de ver o que se passa ao meu redor. Ver o que há de acontecer ou o que aconteceu há dez minutos se torna praticamente impossível. Estou falando aqui de troca de fase. A lua se torna minguante quando não é mais cheia. Mínguo a todo tempo.

Não procuro tentar entender essas mudanças a que me proponho, só sinto cheiro do queijo novo e vou buscando, sem saber se é bom ou ruim. Nesse momento, tenho a impressão de que o mundo roda até que comece a parar. Depois que para, sinto um conforto absurdo. Vai ver é por isto que busco essas mudanças, ou que o mundo me faz mudar: só para ter o prazer de ansiar a pausa.

Agora eu sinto tudo rodando, sinto a lua numa fase intermediária. Sinto meu espírito buscar a pausa. Pauso. Depois volto a rodar por não mais que poucos minutos. Depois pauso. Sei que depois pauso. Sei o que quero, não sei do futuro, não sei da falha de minhas ações. Mas sei o que quero agora. E o que quero agora é pausar e permanecer. Sempre quero permanecer. Quero os olhos cor de musgo. Quero a sensatez.

Eu tinha algo como quinze anos quando escrevi meu primeiro texto. Chamava-se insensatez. Foi inspirado num vidrinho de perfume recém-adquirido. A insensatez, chamei de cérebro. Hoje, a insensatez é presente em minha mente. A insensatez vive, sobrevive, prevalece. Duvido de absolutamente tudo o que sinto, penso, quero. Sei que não é real. Sei, por outro lado, que é assim que deve ser. Sei que a fantasia deve continuar intacta. Não quero ser real. Quero ser insensato sempre. Sempre e sempre. E como é bom falar sempre sem medo de errar!

Leandro Augusto.

3 de novembro de 2011

Baú de Mágica

Dora tinha 3 anos quando aconteceu. Foi numa tarde em que uma amiga sua fazia 4 aninhos. O homem de preto chegou com um aparato glamuroso. As crianças soltaram um riso daquele forte. Ela também ria. Cumprimentou a pequena plateia e começou o espetáculo.

Uma bonita mulher semi-nua apareceu e começou a falar coisas bonitas e repetir movimentos bonitos e gesticular gestos bonitos. Fez alguns truques com cartas de baralho, mas aquilo não fazia muita diferença, já que as crianças mal sabiam contar a quantidade de manchas de chocolate que havia em seus rostos.

Depois de muito enrolar, aquele sujeito pegou um chapéu – que Dora, posteriormente, descobriu ser chamado de cartola – e tirou de dentro um coelho grande, vistoso e branco. Coelhinho bonitinho, daqueles que faz qualquer criança gargalhar e adulto derreter. As crianças riam. Dora intrigava-se nos pensamentos. Não pôde acreditar como aquilo havia sido feito.

Começou a gritar: faz de novo, seu moço! Seu moço olhou para a pequenina de olhos claros, cabelos lisos, franjinha castanho-clara. Deve ter pensado que a menina havia adorado o passe, talvez pelo brilho nos olhos pequenos da pequena. Assim pensando, fez o coelho sumir e aparecer novamente de dentro da chamada cartola.

Dora foi para casa pensando que aquilo não poderia estar certo. Mesmo assim, esqueceu.

Depois de algum tempo, a páscoa chegara e ela ganhara diversos ovos de páscoa de sua família. Disseram que o maior estava por chegar, que o coelhinho da páscoa estava por aparecer. Pensou haver alguma relação entre o coelho da cartola e o coelho do chocolate. Mesmo assim, esperou. Quando ele chegou, era grande, muito grande. Da altura de seu pai. Não era bonitinho nem muito menos a arrancou um riso sequer de seu rosto. Não saiu de dentro de uma cartola. Dora puxou o rabo do coelho e rasgou, assim, a roupa que seu pai usava.

Bem, neste ponto, Dora não acreditou mais em coelhinho da páscoa, em Papai Noel, em Jesus Cristo e muito menos em moços que tiram coelhos de cartolas.

Mesmo assim, quando cresceu, se apaixonou.

Capadócio.