23 de março de 2010

Rato

E aquele sentimento de negatividade, de olhar negativo em relação às coisas ao meu redor, aquele sentimento de que nada podia estar certo, de que eu não podia estar certo perdurava por mais aquele terceiro dia.
De qualquer forma eu precisava ir, sair, ver o mundo e sua engrenagem ainda em movimento. E saí. E vi, e me irritei. Quando pisei com o primeiro dos pés direitos na calçada, notei que não deveria tê-lo feito, não deveria ter sequer pensado em sair, sequer ter pensado que o mundo ainda pudesse me oferecer uma coisa que prestasse, uma coisa que não fosse podre, que não fosse contra minhas éticas pessoais.
Andei na sombra, não andei na luz. Não só porque era uma tarde muitíssimo calorosa – para facilitar a irritação – , mas também porque eu precisava da escuridão, por menor que fosse. Precisava passar desapercebido, como um rato que só passa pelo esgoto e sai à luz quando se encontra numa situação de desespero. Como um rato que se esconde por não ser visto muito bem aos olhos dos diferentes, eu me escondia e não aparecia para os que me cercam, para que eles não vissem como não me encaixo aos planos para um bom cidadão latino-americano. Para que não vissem que não sou capaz de agir como eles, pondo a mentira à frente do cinismo.
No caminho de volta, havia me cansado ver todas aquelas pessoas, que, pelo calor, estavam a andar na sombra, juntamente comigo. A solução era ser cegado por um instante. Como fazer isso, é bem simples num dia de sol amarelo e quente: deixar que seus raios penetrem nos olhos e enganem a retina, criando sombras psicodélicas de cores derivadas daquele mesmo amarelo de sua essência. Consegui o que queria. Não via ninguém, e deixava-me guiar pela memória de aonde havia um poste, ou uma irregularidade no chão de paralelepípedos, e, às vezes, de pedras imensas.
Durante todo o percurso, anda devagar, como quem não demonstra pressa nem raiva. Era um jeito de mostrar a realidade paralela em que me encontrava. E a mulher que estava atrás de mim bufava por provavelmente estar atrasada para uma responsabilidade marcada, ou nem isso, corria por força do hábito, simplesmente. E ela me ultrapassou como um carro que ultrapassa outro que anda devagar na mão da esquerda. Era como se eu andasse devagar sem ser permitido de fazer tal façanha.
E as pessoas que encontrava, eram todas surpreendidas com minha rara expressão de tensão e raiva. E, ao invés do sorriso, recebiam um olá burocrático. Ao invés de sorriso fingido, recebiam qualquer coisa que fizesse diferente o bom humor que sentiam.
E àquele que perguntara sobre a cara que eu tinha, a reposta foi dissilábica: sono. Mas você não disse que dormiria ontem bem cedinho. Não é sono fisiológico, do corpo, é sono da alma, é canseira de ver as coisas caminhando no sentido em que estão caminhando, é preguiça de pessoas.
João Hernesto

21 de março de 2010

Abstinência

Eu sei que é bem clichê da parte de um escritor screver sobre abstinência e sobre os amores impossível. Bem, este texto fala sobre ambos assuntos, mas quem é que se importa? Não sou escritor, sou só um eterno adolescente com seus medos e imperfeições. Com seus hábitos e vícios. Escrevê-los-ei.
Aí eu comecei a ter aquela coisa que o povo gosta de chamar de ansiedade. Mas bem depois me veio aquela angústia e aquela saudade do que se foi. Vício, os antepassados gostam de chamar. Eu chamo de hábito. Ou falta de. O fato é que a angústia não passou, mesmo depois de tanta conceitualização.
Desci no bar que costumo ir quando quero ouvir jazz. E ouvi. Curei-me (ou saciei-me) de três hábitos.
A garrafa estava com micro-pedrinhas de gelo em sua volta. Vi que seu preço tivera aumentado. Daí eu pensei, essa vai valer muitíssimo a pena. E valeu.
Acendi o cigarro que comprara. A fumaça entrava no pulmão de não-mais-fumante e pedia licença, mas o coração permitia. Ela invadia cada espaço que havia entre a boca e o pulmão. Ela entrava devagar e saía depressa porque o esôfago queimava. Queimou e saiu. Saiu dizendo, causar-te-ei câncer. Tanto quanto os raios solares, ou todo o resto de coisas que costumam fazer matar. Nesse sentido ela e essas outras coisas eram vilãs. Na verdade eu era o vilão de eu mesmo.
Depois da primeira, forte e malvada tragada, a cerveja fora servida no copo, que já formava as tais micro-pedrinhas de gelo com cor de desespero. O brinde foi dito por mim, e brindado comigo mesmo. À fonte, e que ela não seque nunca.
Num gole grande, descia pela garganta o álcool, substância que continha função anestésica às dores do coração. O gás descia lento e sutil, porém invasivo. Era possível sentir aquele gole descer gostoso até o estômago. E, bem no fundinho, eu sentia aquele amargo da cerveja. E ele era tão bom...
Depois de meia garrafa, veio a última das abstinências: o maldito do amor. E a outra maldita: a distância. E aquela vontade de que aquela cerveja e aquelas duas cigarrilhas fizessem a dor diminuir. E não é que o fez?!
Daí eu voltei para casa e escrevi um texto sem desfecho, porque a dor era forte e me fazia perder a imaginação e a inspiração. Ta aí um remédio que podiam inventar: um para a loucura minha. E não é que inventaram?!

Leandro Augusto

Jazz e jornais

Eu cheguei, lá estava ele, lendo o jornal do dia.
- O que te atrai nesses jornais? Eu costumo ver as imagens e ler apenas o começo da parte cultural.
- Eu nem gosto de todas as áreas.
Eu fiquei sem resposta, pois o que ele havia dito não fazia sentido. Ele continuou:
- Bem, você gosta que ninguém leia o que você escreve?
- Mais ou menos...
- Eu leio tudo o que há de escrito nos jornais para que a expectativa de alguém não vá para o lixo.
Nisso eu me sentei e pedi a Heineken que ele não havia pedido.
- O que te seduziu o bastante a ponto de não chegar na hora?
- É assim que você questiona meu atraso de meia hora?
Ele não disse nada.
- Gosto da sua sutileza.
- Os jornais são bem interessantes, sempre acrescentam algo em meu conhecimento. E esse, especificamente, traz um artigo sobre Mariana. Diz o quanto essa cidade é importante culturalmente nos dias de hoje e trouxe riqueza na época da mineração do ouro.
- Acho que eles esqueceram de dizer como é charmosa.
- Mencionam, não com essas palavras.
Ele pediu dois cigarros que adora fumar naquele bar, que traz uma decoração colonial e alguns jornais para os solitários. O som ao fundo era de jazz. Perfeito para uma pacata noite de Domingo.
- Estive aqui ontem, com meus amigos. E é interessante observar como esse bar muda o ambiente de acordo com a companhia.
- Faz um tempo que não venho aqui.
Silêncio constrangedor.
- Sabia que meu aniversário está chegando?
- Como posso me esquecer?
- É mesmo, você sempre guarda as datas.
- E como vai o seu preparo para a vigésima década de sua vida?
- Normal, sei lá. É mais um ano de minha vida. Esse é o jeito como eu divido minhas fases.
- Mas eu diria que é mais um ano de uma mesma fase, certo?
- Sim. E eu estive pensando... Quando será que foi a última vez que morri?
- Você já morreu?
- Algumas vezes, é assim que divido as fases de minha vida.
- É a sua vida, a sua metáfora. Mas acho que a pergunta mais exata seria quando será que vai ser sua próxima morte, ou então o que precisará acontecer para a sua próxima morte.
- Pois é... Essa minha fase está bem ligada ao misticismo e à filosofia. Antes eu dividia em fatos a minha vida, acho que agora eu divido em conhecimento.
- Conhecimento? É uma boa escolha. Mas o que você tem estudado?
- Então, comecei a abrir meus poros para a Natureza e sua divindade disfarçada. Depois passei a estudar a história da filosofia, isso foi nessas férias.
- Isso parece um pouco paradoxal.
- Por que?!
- Só porque os filósofos não suportam ver sua imagem refletida no plano esotérico, apesar de ser um pouco filosofal esse último.
- É assim que penso. Mas o que me levou a atrasar hoje foi a busca pelo conhecimento. Estava procurando mais sobre o Xamanismo.
- Desculpado.
O silêncio se estabeleceu entre nós.
- Você já reparou como os jovens são diferentes de você?
- Talvez eu busque ser diferente deles.
- Só de olhar pela janela deste bar, podemos vê-los gritando e azarando suas garotas com o plano de fundo de duas igrejas barrocas.
- Isso é bem esquisito. E eles não aparentam buscar conhecimento.
- Você não pode julgá-los por um ato, apenas. Eles estão num momento de descontração; você mesmo saiu ontem com seus amigos e deve ter aparentado essa mesma percepção de velhos, como nós.
- E eu também tenho meus momentos de vazio, momentos em que me esqueço da pesquisa e só quero saber de gandaiar.
João riu.
- Essa palavra, sim, é bem esquisita.
Nós rimos mais um pouco. Depois comentamos a moça de costas de fora e a marca de lingerie. Falamos mais sobre morrer, mas dessa vez falamos sobre como nossas fases são introduzidas nas outras, sem nem percebermos. Falamos sobre o jazz que tocava no fundo e sobre os funcionários do bar. Até que ele trouxe à tona um assunto mais sério e, de novo, constrangedor:
- Não entendo por quê você reserva nosso encontros em momentos ébrios seus.
- É mesmo?! Nunca reparei nisso. Desculpe. Deve ser porque são nesses momentos que eu me encontro comigo mesmo, quer dizer, com você.
- Você está muito bem vestido hoje. Esse cavanhaque te deu um ar mais velho e sofisticado.
- Obrigado.
- Depois pagamos a conta e esticamos papo com o dono do bar. Elogiamos, bêbados, seu estabelecimento.
Depois de nos despedirmos, pensei que talvez ele tivesse razão. E talvez eu tivesse tirado férias, também, dele na minha vida. Precisava encontrar um jeito de remediar isso, ou pelo menos deixá-lo mais feliz.
Pensei, também, que eu deveria começar a comprar o jornal nos dias de Domingo.

João Augusto

Não quero parecer desesperado

Já não sei mais escrever sobre dor em relacionamentos, sinto-me calejado. Não consigo chorar por mais de um minuto, não consigo mais soluçar e pensar que minha vida acabou por mais de 60 segundos. Não que o que eu sinto não seja forte, pelo contrário.
Eu te pendurei na minha parede para te ler e te ter sempre que eu puder. Eu li as letras de músicas e poemas que me mandou. Li suas cartas e isso me fez chorar, por exatos 60 segundos. Eu morri em um minuto. Depois levantei a cabeça e pensei como seria se eu conseguisse me apaixonar por outro alguém esse tanto que me sinto com você.
Eu te ergui ao mais alto patamar dos namorados que já tive, eu chego mesmo a acreditar em amor para a vida toda com você. Cada regra que eu quebrei para estar com você, cada aspecto e hábito que mudei sem pestanejar não deve ter sido válido. E hoje eu choro o que um dia fiz alguém chorar. Hoje você me vem com indecisões e crises que um dia eu tive e levei para quem eu não devia.
Tem umas duas horas que eu me culpei por isso tudo. Eu e minha boca grande. Para que discutir religião. Para que falar sobre hipocrisia. Ao mesmo tempo não me tiro a razão, de forma alguma. Não consigo segurar, e nem devo. Você é mesmo hipócrita, acredita em coisas que vão contra os seus atos. Você realmente me lembra a mim com dezesseis.
Não sei se foi realmente isso mesmo que te deixou assim.
Eu queria muito me ajoelhar e dizer, não pensa, só fica comigo. Queria dizer, não me deixe.
“Não me deixeEu inventareiPalavras sem sentidoQue tu compreenderásEu te falareiSobre os amantesQue viram duplamenteSeus corações incendiarem-seEu te contareiA história deste reiMorto por não poderTe reencontrarNão me deixe”
Te amo.

Leandro Augusto

II

1.
E conforme eu andava, corria para encontrar a razão pela qual aquele homem chorava atrás das moitas de aquela montanha, mais ouvia o barulho dos tambores de forma audaciosa. E era como se eles me chamassem, sendo as súplicas de um ser coitado no mundo, um ser que sofre por não ser querido aonde quer que vá.
Eu, primeiro, avistei esse homem deitado com a cabeça virada para o abismo que aquela paisagem continha. E o abismo era tão grande, que eu podia ver o moço do tamanho de uma formiga lá de baixo. O corpo estava apoiado no chão de cima. E as moitas escondiam parte da cena do crime. Os tambores tocavam tunc bats pift. O tambores diziam “socorro”.
À medida que corria, eu conseguia ver aquele jovem trajando uma jeans suja. Ele parou de chorar por um momento e fixou olhar em um ponto em a sua frente. Assim que virei o rosto avistei um rochedo que desenhavam perfeitamente uma imagem que me botava medo: um rosto masculino. Este rosto mostrava um nariz grande e quebrado, olhos fechados, lábios grandes e carnudos, um queixo reto e angular. Acima daquela cabeça, cabelos cacheados que pareciam dançar com o vento que batia contra as rochas. Entre os cabelos, havia dois pedaços de rocha larga em forma de cone. Eles situavam-se um em cada lado da cabeça, como dois chifres. A expressão do homem era forte, e me amedrontava.
O coral cantou, interrompendo, assim, os tambores que tocavam. O ar cheirava a capim molhado misturado a alecrim fresco.
Andei mais um pouquinho e podia ver, ao lado de aquele jovem de jeans suja, uma fogueira que aumentava. A fogueira dizia algo para ele, mas eu não conseguia ouvir o que era. Os violinos tocavam tão alto quanto o coral gritava.
Quando me virei para ver o que o rochedo mostrava, ouço um barulho vindo de um lugar próximo a o que me encontrava. O homem não estava mais lá em cima. E a primeira coisa que me vem à cabeça é a de procurar por seu corpo estirado em o chão próximo. E eu quase sentia cheiro de sangue jovem.


2.
Era passada a segunda hora do início do ritual. E eu ouvia os tambores que vinham do centro da terra cantarem o milagre da natureza. A fogueira ao meu lado crescia, e eu sentia só pelo calor que quase encostava minhas pernas.
Meu olhar era de um mundo ao contrário. Olhava acima de minha cabeça e via um outro chão que não era o que apoiava meu corpo. E aquele chão me chamava, dizendo tunc bats pift. Era como se eu precisasse me deixar cair.
Nenhuma experiência que eu tenha vivenciado nessa vida pequena que levei até agora se equipara a essa. E eu estava pronto para a morte, para o nascimento de minha alma renovada.
Do outro lado, avisto o rosto de quem está entre minha alma e meu corpo e órgãos. Ele habita cada pequeno espaço de mim. E ele é quem me chama para a vida nova. Quase posso ouvir o corão divino que me chama.
Foi aí que meu corpo se deixa dominar. A fogueira esquenta e quase me queima a coxa. Minha cabeça pesa, como se todo o meu preenchimento do corpo todo tivesse migrado para a cabeça. E então eu sinto que ela é o centro de minhas energias. O corão e os violinos disputam atenção minha, mas eu só posso ouvir as notas que me convidam para a nova experiência.
A cabeça pesa mais e mais. Ela está tão pesada que já nem sinto mais a quentura na coxa. Ela pesa mais para o lado direito, e pesa até cair no chão, desmantelada. Ela cai e quica uma única vez. Assim, jorra um pouco de sangue a uns poucos metros. E eu sinto uma dor tão grande, sinto a cabeça inteira se abrindo e deixando à mostra meu cérebro de menino jovem. Apesar da dor e do peso que escapa conforme minha cabeça se abre no chão, eu estou tão feliz. É uma felicidade imensurável, é a felicidade de dar a luz a um bebê são. É a felicidade de eu mesmo renascer. De eu mesmo ser esse bebê sadio.
Depois disso eu só sinto a alma leve leve. Subindo e subindo leve.

João Hernesto

Jasmins

Eu olho para os objetos que recebi hoje e me lembro do título a mim concedido: o de cuidar de cada um deles. Cada objeto desses representa dias, atos, acontecimentos, sentimentos. Eles não são e nunca serão por mim vistos como objetos, simplesmente. Eles são memórias, e são daquelas que o cérebro não nos deixa apagar; são daquelas que vêm concretizadas e são totalmente palpáveis. Essas memórias vieram de alguém e eu, agora, tenho a missão de levá-las comigo. Tenho de trazer comigo essas histórias e saber contá-las a mim mesmo e me lembrar das palavras que ouvi, na melodia em que ouvi, da voz de quem ouvi. As memórias dos objetos são modificadas por mim a partir de agora. Hoje a perspectiva é a minha.
Essa manhã eu acordei e vesti minha sinceridade. Preparei-me para encontrar alguém muito amável. (lembro-me agora da música interpretada por Frank Sinatra denominada Unforgetable; é um bom adjetivo) Quando estava saindo de casa, envolvido num sentimento misto de nervosismo com alegria, eis que uma fragrância me vem às narinas: jasmim, um campo enorme e florido com centenas de jasmins.
O filme foi tão longo, e o silêncio que em nós existia me parecia gritar tão alto. Eu senti minha pele arrepiar a cada toque daquelas mãos macias. Eu desejei seus lábios, seu corpo. Eu desejei poder me lembrar do seu gosto, parte por parte dele. E desejei ter-lo uma noite. Desejei sentir seu calor corporal e sentir, ainda, sua energia tocar a minha. Desejei voltar no tempo e poder me esforçar para tocar-lo a alma. Desejei ter de novo uma companhia para deixar minha cama de solteiro com aparência de minúscula. O cheiro de jasmins permanecia.
No caminho para casa, a cabeça a mil pensando no dia incrível por que passara, vem-me novamente o cheiro do campo de jasmins. Não me contive e parei naquela rua, que faz esquina com a de minha casa, e olhei em volta. Bem atrás de mim avisto uma árvore com flores muito alegres. As flores pareciam expressar tudo o que eu sentia. Aquela árvore expressava tudo o que eu sentia. E ela estava tão florida e tão irresistivelmente cheirosa, que não me contive e tirei um punhado para mim. Obviamente não eram jasmins, mas era exatamente o cheiro que eu sentira pela manhã. E não estou fantasiando o perfume que um campo de jasmins traz, pois o conheço bem.
Essa noite meu quarto cheira a jasmins. Como um grande campo florido. A Lua existe brilhosa no céu. E eu não estou sozinho. Essa noite eu não durmo sozinho, tenho um perfume que me faz companhia. A vizinha que me perdoe, mas preciso me alegrar mais vezes. Preciso ter as memórias desse sentimento de hoje mais dias do mês. Para isso, algumas flores das dela sumirão.

Leandro Augusto

A poética e sua licença

Só parece que a sua luz está mais baixa hoje. Como se eu visse em você o que eu vejo em todos. De repente “eu não consigo ver o que ninguém consegue ver em ninguém mais, que não seja você” não faz o mesmo sentido.
Eu tento olhar nos seus olhos, em vão. Gostaria de disfarçar meus sentimentos. Gostaria de aplicar a lei da mentira, mas não vou conseguir tão cedo. Gostaria de não eternizar e santificar o amor, agora eu volto a acreditar em sua enganação. Parto a não acreditar nessa ilusão.
Não quero te assombrar, continuo tentando acreditar nos teus olhos. Eu só esperava que o amor verdadeiro fosse mais constante e racional. Vejo que é igual a todas as outras paixões, não crer que volto àquele velho ciclo de conversas e discussões.
Por outro lado eu resolvi mesmo apostar em você, o que eu tenho com você, eu não tenho mesmo em mais ninguém. De repente “eu não consigo ver o que ninguém consegue ver em ninguém mais, que não seja você” volta a fazer sentido.
Nada do que eu disse foi por beleza da poética. Aristóteles já dizia que a retórica e a poética andam de mãos dadas, dividindo os dois lados da tênue linha chamada persuasão para um e licença poética para o outro.
Mas até quando sou poeta? Até quando minha licença poética permanece intacta? Até quando minhas metáforas fazem sentido?
O dia em que eu parar te sentir, terei parado de amar você. Espero que esse dia não chegue, mas, ao mesmo tempo, busco por ele, só para ser mais feliz.
Não espere sensatez vinda de mim, isso eu posso afirmar.

Leandro Augusto

A vida imita a vida real, ou será o contrário?

O problema real aconteceu quando a TV roubou da vida real a realidade. E aí quando a intimidade de poucos pobres miseráveis é atingida, temos a dúvida: até quando vai a ética humana? Talvez Montesquieu estava bem errado quando disse algo como “ao passo que sou francês por mera casualidade”.
Ontem não tinha absolutamente nada para ouvir, ler, rir de, transar com. A minha opção: acabar-me embriagado na frente da velha televisão que guardara depois da última mudança (seis anos atrás). Liguei aquele botãozinho com algo escrito em uma língua estrangeira – minha intuição me dizia que era aquele mesmo o responsável pelo funcionamento daquele objeto ligado à tomada, pois ele era verde e aquilo me parecia bem obvio.
Eis que vejo um pequeno homem em cores na escala de cinza. Esse homem era narigudo e jovem. Narigudo e bondoso com os seres de sua espécie pois a plateia, que estava atrás dele, olhava-o de um jeito tão amável. O nariz o atrapalhava de ver o quanto era amado, mas ele sabia provavelmente porque alguém o havia falado. Ele ajudava uma mulher que pedia ajuda. Pelo quê percebi ela precisava de uma casa reformada, e ele possuía o dinheiro necessário para a tal da reforma. Caramba, preciso muito conhecer esse homem!, pensei.
A câmera mostrava a plateia chorando de emoção pela reforma, que nem tinha sido tanta coisa assim, quer dizer, qualquer pessoa com o dinheiro necessário faria aquilo. Talvez a pegada esteja nisto: o dinheiro. E, é claro, o jeito como a câmera é capaz de mostrar a bondade daquele nariz.
Mudando de canal (eu preciso me levantar para fazê-lo), vejo uma mulher muito bonita. Loura. Gostosa, como a juventude diz. Ela estava fazendo uma “transformação” no visual de mulheres feias que estavam prestes a perder os maridos e precisavam daquilo para aumentar a estima que já era alta. (péssimo trocadilho, desculpem-me). Pessoas chorando, pessoas rindo e gargalhando. Todos diziam “ela, a apresentadora, é tão boa!”.
Juro que não entendia o porquê de as pessoas divinizarem pessoas que são boas. O mundo está cheio de pessoas boas que ajudam pessoas de verdade. Digo, são pessoas de mentira, não são? E não é que são vidas de verdade? E não é que a ficção já não faz mais sucesso como antigamente? E não é que a vida real é aproveitada?
A televisão, que no passado trazia a realidade da arte (que imitada pela vida real), estava invadindo a vida real para mostrar problemas reais, e isso fazia muito sucesso! Isso divinizava pessoas que eram as aproveitadoras! Será que ninguém via isso? Aonde foi que a ética do homem chegou? Certo, agora eu estou indignado.
Leia de novo, caro leitor, o primeiro parágrafo. Ele serve tanto de introdução quanto de conclusão. O mais legal é que, depois que eu apresentei minha indignação, pode-se lê-lo com outros olhos e interpretação. Assim, com uma ferramenta muito moderna de o editor deste texto, ele transcreverá esse trecho para o final que segue.
Ctrl + C / Ctrl + D
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João Hernesto