Eu costumo acreditar na luz que as pessoas carregam consigo. Acredito mesmo. Em algumas poucas pessoas que por minha vida passaram consegui vê-la. Cada uma tem uma cor diferente. Cada uma tem uma intensidade diferente e não depende do humor para que seja pontual a gradatividade com que se impõe. Diferentemente do semblante, a luz das pessoas é perceptível de acordo comigo mesmo e com o que sinto por elas.
Sim, a ideia acima pode parecer um tanto relativa, já que a beleza está nos olhos do poeta. Mas eu chamo isso de cativar. Como a raposa e o principezinho, alguém nos cativa a partir do momento em que passamos nosso tempo com essa pessoa. Alguém nos cativa quando percebemos que gastar o tempo com a pessoa se faz não somente atraente como também necessário. Alguns chamam isso de amor, outros de obsessão. Chamo isso de luz.
Não, isso não prova o fato de ver a luz e enxergá-la de fato, relatividade à parte. Comprovarei o que provei: algumas pessoas passam por nossas vidas de forma extremamente passageira, como quem passa pela rua. Só que, enquanto passamos pela rua, algumas pessoas se sobressaem, seja pela roupa que usa, seja pelo perfume que põe, seja pela fisionomia que lembra, seja pela beleza que expõe. Como quem passa pela rua e repara em uma pessoa, as pessoas em quem vejo a luz se mostram logo de cara.
Sim, algumas vezes as demoro a delimitá-la. É como se visse um vulto iluminado, mas não há linhas de separação entre o concreto e o celestial. Ainda assim, algumas pessoas me olham e eu consigo enxergar a luz, uma luz boa, uma luz que representa algo como uma salvação em meio ao desesperador escuro. Não sei explicar se essa luz sai do coração, da mente, da história que a pessoa construiu, mas a luz aparece. Está lá e não posso negar sua existência.
Não, eu não estou enlouquecendo. Comprovarei o que provei: uma pessoa me mostrava uma luz muito reluzente. Um reluzente que, agora, não saberia explicar se bom ou ruim. Talvez o problema seja esse maniqueísmo em que nós, seres humanos, somos postos. Acontece que essa luz era tão forte que me cegava. Ainda me cega. E eu me deito para dormir, eu sonho, eu respiro, eu aspiro a encontrar de novo essa luz em um momento que não seja puramente insano. Num momento sóbrio.
Sim, eu perdi essa luz. E busquei encontrá-la. Busquei em outras pessoas, busquei na mesma pessoa. Chorei e pedi. Pedi e sofri. Esperei por seu retorno, mas ela não voltou. E foi aí que meu humor começou a alterar a forma como as luzes se mostravam para mim. As luzes alheias não mais me interessavam, parecia-me meramente humano, eu queria o divino. Bem, nesse ponto eu acreditei ser o mais infeliz dentre os homens.
Não, eu não era o mais infeliz dentre os homens. Talvez eu tenha me esquecido que o sofrimento e o amor são contidos no mundo físico, no concreto, no que se toca. Na realidade, eu precisava ver que as luzes que eu procurava não estavam aqui, estavam além. Muito além. E foi aí que uma outra luz apareceu. Aí eu pude constatar que eu havia mesmo me esquecido da luz mais importante que poderia existir: a minha própria luz.
Sim, continuarei a relatar minha comprovação. Pois é neste ponto que encontro uma nova luz. Uma luz que já me havia aparecido. Uma luz que já havia por mim sido vista, talvez não notada. E foi quando pude enxergá-la pelo que ela é, e foi aí e só aí que me pude permitir repará-la. E a luz vem tomando conta de mim nos últimos dias e eu nem percebo. Sei que ela está aqui agora, sei que ela vai continuar aqui.
Não, essa nova luz não é como a outra. Ela não me cega, ela não me impede de ver o mundo e as luzes à minha volta. Na verdade, ela me permite olhar para minha própria luz e vê-la como um holofote que reluz ao longe, que reflete o brilho dos céus. E essa luz, essa luz me cativa sem que eu nem ao menos perceba. Falando em cativar, a raposa diz que foi o tempo gasto com a rosa que fez com que o principezinho tenha sido cativado por ela.
Sim e não. Foi o tempo gasto com a rosa que me fez ser cativado pela luz cegante, que persiste em habitar minha mente, meu corpo, meu coração. Ainda a vejo, ainda a sinto, ainda a posso tocar. Só que agora me parece tão confortável ter a raposa ao meu lado. Porque a raposa pede para ser cativada, e eu, o principezinho, quero cativá-la. E quero cativá-la por uma razão convincente: eu já fui cativado por ela.
O amor é uma doença, precisamos nos curar dela e nos preparar para a próxima pois nunca estaremos totalmente imunes a ela. A luz é o que move o amor. A luz é o que nos faz curar do amor e nos infectar novamente. O amor vai e vira lembranças, a paixão vai e vira cinzas. A luz permanece. A luz prevalece. As duas luzes prevalecerão. Só que agora eu quero ser infectado por essa nova luz.
João Hernesto.